O que um olhar curioso pode fazer por nossos relacionamentos

Casal de idosos sorrindo enquanto abrem caixa juntos.

Geralmente os relacionamentos mais íntimos que vivemos são aqueles que já cultivamos há um bom tempo. Paradoxalmente, quanto maior o tempo de convivência, maior a chance de sermos negligentes com eles.

Talvez isso se explique pela falsa certeza de que tais pessoas estarão sempre conosco. Pode ser também que com o passar do tempo a proximidade traga a sensação de que já conhecemos tudo de quem está diante nós.

No fundo todos nós sabemos que é preciso cuidar, cultivar o amor através de gestos de carinho. Todos nós já estamos cansados de ouvir que é preciso dar valor antes de perder, que é preciso conquistar o outro a cada dia. Mas poucos de nós sabemos como começar.

Mais que começar, precisamos aprender a levar isso para a vida.

Quem sabe o ponto de partida seja nada mais que um olhar curioso sobre o outro.

O universo do outro

Gestos isolados, planejados ou copiados de algum cronograma do amor tendem a falhar. E falham pelo simples fato de que é preciso mais que meras repetições para que um relacionamento floresça. É preciso entender o outro como sendo um universo. Por isso venho propor uma reflexão.

Por um instante, sente-se calmamente e pergunte a si mesmo:

– Quem sou eu?

Sem pressa para responder, observe e acolha tudo que vier. Sem julgamentos.

É possível que venha à sua mente conquistas, falhas, situações, sentimentos e impressões que tem de si mesmo. Podem vir também outras pessoas, títulos, o papel que ocupa na sua casa ou sociedade e sonhos que tem.

Mas para além de tudo isso, não somos todos extremamente variáveis?

Oscilamos o tempo todo entre estados de espírito. Temos os mais diversos desejos e vontades.Mudamos de ideias.

Essas variações não nos descaracterizam. Muito pelo contrário. Parece que temos uma base. Mas é como se todo o resto orbitasse em torno dessa base, sem estar presa a ela.

Posto isto, fica obvio o quão difícil é enquadrarmos até a nós mesmos em um conceito fixo e rígido. Quem dirá definir o outro, aquele cuja formação enquanto sujeito foi tão diferente da nossa. Aquele outro que funciona de uma outra forma, pelo simples fato de não ser nós mesmos.

Um olhar curioso sobre o outro

Partindo dessa percepção do outro enquanto sujeito de si, em construção e em mutação constante, podemos ter um relacionamento mais real.

Nesse momento temos a possibilidade de observar o outro fora de uma moldura rígida desenhada por nós.

A certeza de conhecer alguém como a palma da própria mão dá lugar a um estado de curiosidade, no qual permitimos a descoberta e a troca.

Eu acredito que existam algumas constantes como os valores e o caráter da pessoa. Mas acredito também que precisamos fugir de ver o outro como alguém pronto, que cabe dentro de um rol fechado de características e adjetivos.

É preciso aprender a driblar o costume e a sensação de omnisciência que um longo período de convivência nos dá. É realmente um esforço consciente.

Sangue do mesmo sangue, ainda outro universo

Engana-se quem acredita que esta reflexão só se aplica a casais. Relacionamentos familiares são muito suscetíveis a essa visão pronta dos outros.

Não escolhemos nosso berço. Assim, as relações muitas vezes apenas seguem sem grandes problematizações.

Pais muitas vezes não conseguem se livrar da imagem que criaram de seus filhos. Se atém ao ideal que projetam sobre eles. Julgam que, de alguma forma, continuam sendo aquelas crianças que viram crescer.

 Filhos muitas vezes não conseguem ver seus pais como pessoas que se constituem como sujeitos para além dos papéis de pai e mãe. Deixam de lado a curiosidade quanto a história deles antes de se tornarem pais e mães. História essa cheia de informações importantes, inclusive para se entender a própria existência.

Afinal, o que um olhar curioso pode fazer por nossos relacionamentos?

Um olhar curioso pode curar nossa forma de nos relacionarmos.

Quando não prendemos alguém dentro da embalagem que imaginamos, temos a chance de conviver com a pluralidade da existência do outro. Aprendemos a ouvir o que o outro tem a dizer antes de qualquer conclusão baseada em nossas próprias impressões, às vezes tão distorcidas da realidade do outro. Só assim é possível acontecer a troca que caracteriza qualquer relacionamento.

Faz bem ao outro, mas principalmente a nós mesmos.

Nos permitamos descobrir o outro e a nós mesmos com sinceridade. Para além do raso e das expectativas que criamos.

 

Por relacionamentos mais reais, deixemos os outros nos mostrar quem são.

Dia após dia.

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