O poder aquisitivo como termômetro do valor pessoal

Carro de compras vazio em estacionamento

O ato de comprar não é novidade. Ao longo dos séculos moedas de troca mudaram, assim como nossa relação com o dinheiro e o comércio em geral.

Um passado em que o lucro não era bem visto ficou para trás  para dar lugar, lentamente, a uma situação oposta. Infelizmente, o consumismo se ergueu. Ele se caracteriza pelo comprar compulsivamente sem uma reflexão sobre a real necessidade dos bens adquiridos.

Hoje o que se vê é o poder aquisitivo como termômetro do valor pessoal. Me arrisco a dizer que  mais que isso, tornou se um termômetro da dignidade da pessoa.

A desumanização dos pobres

Os direitos garantidos a todos pela Constituição não são na verdade garantidos. E se houvesse uma fila para ter acesso a eles, os pobres seriam com certeza os últimos. O que eu quero dizer é: A medida que um se afasta do poder de compra, é afastado também da imagem de sujeito de direitos. Essa pessoa está mais vulnerável a ter seus direitos relativizados, sua voz é anulada . Sob qual  pretexto seria cogitado remediar o problema da fome com ração humana?

Os que mais precisam são os que menos recebem atenção às suas necessidades.

A compra como atividade terapêutica

A angústia existencial a todos alcança em algum momento. Muitas pessoas buscam alívio nas lojas.

Ao que parece, a compra tem um efeito temporário de satisfação, de preenchimento. Por outro lado, tem também o efeito de acostumar a pessoa a buscar uma solução imediata para suas tristezas. De forma externa a si mesma e muitas vezes impulsivamente.

Estaríamos nós depositando sobre o ato da compra um poder que ela, por si só, não tem?

O ato de comprar dá a sensação de poder, de controle sobre a situação. Alimenta a ilusão do desejo sempre satisfeito, neste caso pelo objeto adquirido. Dizem que aumenta a autoestima. Mas se a estima é sobre si mesmo, como se sustentaria com objetos externos à pessoa? Talvez alimente a vaidade, que mais uma vez, pode estar atrelada à ideia do consumo como medidor de valor pessoal.

É importante se pensar sobre o que há por trás disso tudo. Se questionar sobre os sentimentos por trás do alivio buscado.

Se hoje me sinto triste e vou buscar alívio na compra, seria interessante pensar sobre como esse alivio opera em mim. Que necessidade pessoal eu estou maquiando com um prazer momentâneo. Ter consciência de  que logo não terá efeito algum. É necessário identificar o que na verdade eu estou buscando.

O minimalismo como alternativa

Algumas pessoas estão buscando uma nova forma de lidar com o consumo. O minimalismo surge com o intuito manter apenas o necessário, conforme as necessidades de cada um. Assim, não há espaço para coisas que não tem uma real função na sua casa, na sua vida. Bem como toda compra é pensada, levando em consideração se aquilo será mesmo útil e usado com frequência. O desapego material da limpa que se faz nas tralhas acumuladas tem um efeito de limpeza emocional. A sensação de conhecer os objetos que se tem e de que não há espaço para inutilidades alimenta a sensação de organização mental. O que inevitavelmente aumenta também o bem estar da pessoa de uma forma mais duradoura.

Curiosamente, percebo que adotar o minimalismo traz mais poder do que a compra, o que deixa claro que o poder não é sobre ter mas sim poder escolher não ser levado por impulsos diversos.

Para alem da esfera emocional, há também as questões ambientais. Sabendo que não existe um fora para jogarmos nosso lixo, é preciso pensar na utilidade de cada coisa que adquirimos.

A transferência do afeto

Ultimamente o marketing de produtos tem apelado para a intimidade com o consumidor.

Rótulos vem com uma linguagem que simula conversa entre amigos, há uma grande vinculação do produto com certas causas, e até mesmo a banalização do ‘feito com amor’

As estratégias de marketing estão em constante evolução conforme as mutações e demandas da sociedade, mas é preciso olhar para nós mesmos para perceber como afetam nossas escolhas.

Eu percebo que, mais que nunca, estamos vivendo em uma sociedade cujos indivíduos tendem a se distanciar das próprias emoções e afetos. Seja por conta de um meio virtual que se amplia cada vez mais, seja pelo estilo de vida apressado no qual não há tempo para se desfrutar da vida junto aos que amam. Sendo assim, me pergunto se não há uma exploração de nossas carências ocultas através desse tipo de marketing.

Será que não estamos sendo levados a comprar certos produtos apenas por vincular a eles uma ilusão de afeto emanado a nós? Talvez a sensação de que somos sujeitos do afeto de alguém ao adquirirmos aquele produto que se diz feito pensando em nós. Mais uma vez, o nosso valor afirmado pelo produto. 

 

O dinheiro é necessário em alguma medida mas que saibamos ter com ele uma relação saudável e não de obsessão. É como diz a letra:

 

Eu desejo que você ganhe dinheiro
Pois é preciso viver também
E que você diga a ele, pelo menos uma vez,
Quem é mesmo o dono de quem

Frejat

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