VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: VERSÃO BRASILEIRA (Harvey Weinstein, “Surubinha de leve” e etc…)

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Desde o último mês de outubro a imprensa mundial vem mostrando denúncias de assédio contra figuras masculinas poderosas da indústria cinematográfica, editorial, musical e esportiva. Alguns casos com solicitações obscenas, mas sem violência direta, outros de abuso sexual explícito e violento.

A denúncia sobre Harvey Weinstein foi apenas a ponta do iceberg para comprovarmos algo que já sabíamos acontecer há muito: homens poderosos investindo para cima de mulheres, que por sua vez se sentem frágeis, em desvantagem, pequenas e desvalorizadas para reagir de acordo com a sua própria vontade, seu próprio desejo.

Quando vejo jornalistas, artistas e especialistas BRASILEIROS tomando partido sobre essa questão, discutindo qual lado tem razão (o movimento das atrizes de Hollywood ou a carta assinada por Deneuve e outras atrizes francesas) penso que não temos mais problema nenhum relacionado com a violência contra a mulher aqui no Brasil. Nada a discutir além de resolver qual o grupo de mulheres estrangeiras que já estão ricas, com a vida ganha, e que não se manifestaram antes porque não quiseram, afinal já são ricas e famosas há tempos, tem “mais” razão. E isso me leva a pensar em duas questões.

A primeira questão que me intriga tem a ver com o fato de que não apareceu NINGUÉM no nosso país para colocar uma questão parecida, para “nacionalizar” o #metoo. Uma pessoa já famosa, já intocável, já consagrada, que falasse “aqui também, em 1980, havia um produtor musical que todo mundo conhecia e que fazia isso, isso e isso…” Nenhum exemplo brasileiro na esteira desse movimento. As minhas tristes hipóteses para isso não ter acontecido até agora são três.

Primeiro, poderia ser porque isso de fato não ocorreu e não ocorre nos âmbitos profissionais brasileiros (corporativo, artístico). E aí só nos resta dar uma sonora gargalhada em vez de chorarmos, pois essa hipótese é uma piada pronta, considerando todos os números de instituições que trabalham com o assédio contra mulheres. A segunda hipótese para estarmos quietinhas aqui no Brasil é o fato de que mulheres que teoricamente já estariam bem sucedidas em suas carreiras na verdade ainda se sintam frágeis e não tão bem sucedidas a ponto de poderem ainda ser prejudicadas caso levantem uma bandeira dessa, ou seja, não temos de fato mulheres brasileiras e intocáveis como Oprah Winfrey, o que também é muito triste. E a terceira hipótese é o fato de acharem que nada aqui dá em nada, então não vale a pena “se queimar” para nada, é melhor curtir a ilha em Angra.

A segunda questão que me ponho a pensar é que a versão brasileira da violência contra a mulher em AMPLA ESCALA ESMAGADORA tem a ver com violência doméstica e mortes de mulheres por parceiros e ex-parceiros. São números assustadores e mal organizados em estatísticas que não param de crescer e aparecer em portais de notícia diariamente. Hoje, por exemplo, há um caso de um promotor e um de um militar aposentado num grande portal de comunicação.

Na minha opinião, a mulher falar “não vou chupar seu pinto” e não subir na sua carreira está em um patamar. A mulher falar “fulano, quero me separar, quero dar outro rumo a minha vida” e tomar um tiro, ser queimada com ácido, ser esfaqueada na frente de filho, para mim, está num patamar inimaginável.

Estou escrevendo este texto aqui nos Estados Unidos, ao fim de uma temporada de 40 dias. Ontem fui a um mercado de uma cidade pequena e uma mulher brasileira passou por mim, empurrando seu carrinho e falando no celular: “Eu não tenho medo por mim porque mesmo que ele chegue aqui ele não consegue me achar, não consegue fazer nada contra mim. Eu tenho medo é do que ele pode fazer com a minha família no Brasil.”

Percebe como a figura masculina que ameaça as mulheres no Brasil é ainda mais complicada? É o macho raivoso, ignorante, perturbado em seu complexo de rejeição, que enxerga a mulher como propriedade sua, não podendo ser de mais ninguém se não for dele. Mulheres de todas as classes sociais e culturais, com ou sem ocupação profissional, com ou sem filhos, que vivem com vergonha e medo.

Se nos EUA e na Europa as mulheres estão lutando contra o machismo, o assédio, no Brasil estamos escutando os funks que propagam uma cultura de desprezo e violência contra as mulheres, em função da educação, cultura e exemplos que deixamos de proporcionar aos nossos jovens. Um mar de ignorância que faz com que o “pinto louco” do funk ou o “macho ciumento, louco por mim” da novela cresçam e floresçam na imaginação feminina de baixa estima e menos valia.

Discutir as questões relacionadas às denúncias de Hollywood é de fato importante. Mas o que deve ocupar nosso tempo e mobilizar nossa energia de indignação e luta é a versão brasileira da violência contra as mulheres, que não pára de crescer.

 

Fonte da imagem: google.com

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