Quando foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?

fez algo pela primeira vez

Quando foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?

“Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons”, escreveu Carlos Drummond de Andrade.

O sabor do chocolate, que pode ser engolido rapidamente ou se pode deixar um pequeno pedaço dançando pela boca, derretendo até que desapareça e subitamente venha o desejo de ter mais um pouquinho daquela experiência.

As crianças sabem muito bem aproveitar pequenos prazeres no cotidiano. Elas se arriscam, testam os limites, caem, se machucam e, antes mesmo que as feridas cicatrizem, voltam a se ralar. Elas sobem, pulam, são curiosas, perguntam, desafiam o outro e a si mesmas. Por que deixamos para trás, na infância, a capacidade de se encantar e experimentar como se fosse a primeira vez?

Nós, adultos, estamos sempre reclamando da rotina e sonhando com o fim de semana ou com as férias, em que finalmente haverá tranquilidade e tempo suficiente para fazer o que adiamos tanto; entretanto, quantas vezes os fins de semana e as férias se vão e, abismados, nos damos conta de que não conseguimos realizar tudo o que foi planejado? Há uma série de acontecimentos que estão fora do script da nossa vida. Planejar dias perfeitos é uma delícia, mas precisamos estar atentos aos percalços. Tudo pode sair exatamente como não queríamos.

A ideia de escrever este texto veio-me ao pensar em minhas experiências. Enfadada com a rotina, admiti que era triste passar 11 meses do ano esperando ter a felicidade das sonhadas férias. Dessa conclusão nasceu um projeto pessoal bastante simples, mas que inseriu à minha vida novas perspectivas, novos prazeres, descobertas e muita reflexão. Decidi que diariamente faria algo que nunca havia feito antes. Eu queria assim buscar a sensação da primeira vez.

A primeira atitude para iniciar meu projeto foi fazer uma lista de coisas simples, ou aparentemente simples para a maioria das pessoas, que eu nunca havia feito. Nunca havia subido em árvore, não sabia andar de bicicleta, nunca havia ido a um baile de dança de salão, nunca fui a uma sauna, nunca havia tomado suco de tangerina. Nunca havia pintado as unhas com uma cor escura… Minha lista de nunca era imensa. Lá estava de tudo: coisas que envolviam dinheiro, coisas que não envolviam nenhum gasto. Coisas que precisavam de minha coragem para serem realizadas. Coisas que nunca fiz por preguiça.

É bem simples. Sabe aquele sabor de sorvete que você acha que detesta, mas nunca experimentou para poder ter certeza disso? Então, ao experimentar, você poderá se surpreender e ganhar mais um prazer na vida. Tenho dois exemplos muito significativos para mim. Levei minha mãe a um estádio de futebol. Aos 72 anos, ela nunca havia entrado em um. O Morumbi estava lotado. Era uma partida importante da Libertadores. Ela olhava tudo fascinada, não sentiu medo do aperto nem da torcida enlouquecida. Em certo momento, com os olhos brilhantes, ela me disse que tudo aquilo era deslumbrante. Só ela sabe o que sentiu naquele momento. E deve ter sido muito bom!  A outra história é minha. É uma das mais felizes de minha vida. Sempre desejei andar de bicicleta. “Que sensação deve ser?”, pensava, mas a vergonha e o medo de cair adiavam minha decisão. Sempre seria no próximo fim de semana. Ao fazer 40 anos, me enchi de coragem e decidi que este seria um de meus presentes: andar de bicicleta. Fui ao parque com dois amigos, que me deram instruções e seguraram a bicicleta até que eu pudesse estar sozinha. Em pouco tempo, pouquíssimo mesmo, senti a sensação de voar sobre rodas. Senti o vento no rosto pela primeira vez e chorei de felicidade.

O dia a dia é extenuante, e a rotina é desanimadora, mas posso garantir que, quando redescobrimos nossas habilidades da infância e permitimos que elas atuem em nossa vida, doses homeopáticas de contentamento se somam e nos transformam.

Convido você a fazer sua lista e a caçar seu nunca, que se tornará achadouro, como nos conta Manoel de Barros:

“Sou hoje um caçador de achadouros da infância.
Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.”

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *