Carta para minha irmã

Uma carta não apenas sobre minha irmã, mas sobre a relação com uma parte de mim.

Minha irmã,

Quando eu soube que você viria, eu jamais imaginaria o quão fantástico seria ter você na minha vida. Já tinha nosso irmão mais velho, mas não sabia os sentimentos profundos que nascem junto com uma irmã. No dia que você nasceu, tudo já tinha sua presença e eu aguardava com a ansiedade natural a espera de uma nova vida, de uma nova parte da nossa família.

Embora muita gente quisesse, mesmo sem consciência disso, estimular uma rivalidade entre nós, insinuando que eu seria deixada de lado ou perderia uma suposta exclusividade, do alto dos meus oito anos eu sabia que dali para frente seria impossível não ser sua aliada. Seria impensável não ser sua parceira, não estar do seu lado, não optar pela irmandade. Sempre. E sempre.

Acho que nunca brigamos de verdade, ou pelo menos as brigas devem ter sido tão pequenas que se dissiparam nos meus fluidos de memória. Lembro-me de me irritar com seu jeito, com suas infantilidades, sem notar que você estava exercendo sua criancice por ser uma. Eu queria que você fosse igual a mim, muito embora me fizesse muito feliz ter minha bonequinha. A quem eu poderia ensinar as letrinhas, a quem eu pudesse falar coisas que eu sabia. E que me escutaria.

Existe um momento crucial na vida de duas irmãs em que a mais nova decide que a mais velha não será mais nenhum modelo. Esse momento dói, mas testa um dos pontos fortes da irmandade. Você só terá sido uma irmã de verdade quando aceita que o outro elo dessa corrente siga seus próprios caminhos. Que faça suas próprias escolhas, que tenha suas próprias opiniões. E mesmo que elas sejam tão diferentes das suas, para continuar usando a metáfora da corrente, não importa. Seguiremos unidas. Cada vez mais fortes, mesmo que alguém nos puxe para lados opostos.

Admiro e respeito a mulher que você é, mesmo que tão diferente de mim. Mesmo que eu tenha percebido tão cedo que você seria outra. Mesmo tendo a mesma base sólida, sabia que compactuamos valores, não sonhos ou quereres. Na Itália, quando fiquei uma temporada como aupair, a mãe das crianças me disse: “Já que seu visto expira, manda sua irmã vir, para ficar com a gente”. Foi a primeira vez que eu expressei em palavras algo que eu já sabia e assinalaria muitas vezes depois. “Minha irmã é muito diferente de mim, ela jamais viria”. (Na verdade, penso que ainda bem temos apenas uma doida na família, nossos pais agradecem).

Eu tenho muitas lembranças de infância onde você não está, pois passei oito anos vivendo sem você. Descontam-se aí as horas na escola, as outras com os amigos. No restante lá está você, sendo minha cúmplice, acobertando ou sendo acobertada, dividindo o abajur aceso do quarto, as risadas, a mesma bagagem.

Lembro-me de muitas vezes eu contar algo da mãe ou do pai e você rir como se tivesse estado lá. Não só porque você os conhece tão bem quanto eu, não só porque existem histórias de família que eu posso contar e você terminar, ainda que uma ou outra não tenha presenciado nada daquilo, mesmo sem combinarmos nada de antemão. Mas porque independentemente da distância ou das ausências, é como se ainda vivêssemos lado a lado. Como quando éramos crianças, é como se nunca tivéssemos nos separado. Esse é o segundo ponto sobre a irmandade entre mulheres. Existe algo mágico e profundo que te faz estar junto dela e ela junto de você, mesmo que não estejam.

Para o bem e para o mal, senti com você algo perto de ser mãe. Já vi meu peito estraçalhar com seu choro, já pensei que pudesse matar quem pudesse te ferir e também já senti o amor brotar ao te ver conquistando algo, seja lendo a letra ‘E’ ou se formando, e hoje acho que te fazer gargalhar é uma das melhores sensações da vida.

Poderia dizer que ter uma irmã me fez mais feliz, mas não se trata de posse. Trata-se de ser. Ser uma irmã fez de mim mais forte, mais consciente. Fez com que eu visse um pedaço de mim tomando outros rumos e querendo outras coisas. É como se uma outra versão minha tivesse escolhido outro caminho numa encruzilhada do passado.

Sinto orgulho de você e da mulher que se tornou e de uma forma bem narcisista, acredito que fiz parte disso. Que sou responsável por sua evolução porque, apesar de sermos outras, você faz parte de mim. O terceiro ponto a se saber sobre a irmandade é que você vive em outro ser, vivendo uma outra jornada. Você não tem o controle e, quer saber? Isso é muito bom.

Acho que mais aprendi do que ensinei. Você é a minha melhor versão e minha estrela da vida inteira. Te amo para sempre e sempre.

Para minha querida e amada irmã Verônica, que hoje completa 24 anos e me deu a oportunidade de ser irmã dela.

 

 

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