Pai que ajuda é coisa do passado

Pai passeando com o filho

A paternidade está sendo repensada, e o novo pai é tão participante quanto a mãe. Ele não a ajuda, ele divide com ela. Afinal, não é isso que é ser pai? Então se prepara, porque o tema rende

A mudança ainda é tímida, mas a boa notícia é que já é possível senti-la. Pouco a pouco vamos vendo homens passeando sozinhos na rua com seu filho ou sua filha, homens trocando fraldas em espaços próprios para a família, enfim, homens cumprindo efetivamente o papel de pais.

A ideia do pai que ajuda está sendo questionada. Pois é, a palavra “ajudar” fala sobre fazer um favor, desenvolver atividades que não lhe cabem, mas que são feitas como um favor a outra pessoa. E, convenhamos, ao celebrar um pai que ajuda, estamos aceitando e perpetuando a ideia implícita de que ele está fazendo um favor à mãe, que suas ações são grandiosos atos de generosidade, e que a mãe, essa sim, é a única responsável pela criança, devendo cuidar da higiene, da alimentação, da saúde, da educação e de tudo que diga respeito ao pequeno ser. Errado. Pai e mãe têm responsabilidades iguais. A questão é que isso ainda é uma “novidade”, e grande parte dos homens acostumou-se ao confortável papel de pai decorativo e provedor. Basta postar no Facebook umas fotinhos tiradas no fim de semana e está tudo bem. Mas não está. Ser pai vai muito além disso.

O paralelo das calcinhas

Certa vez li na internet um texto incrivelmente lúcido e irreverente sobre esse aspecto, escrito por uma mãe cujo perfil no Facebook se chama Sou uma mãe onça. O site está fora do ar, mas encontrei a reprodução no fórum do Babycenter. O trecho que ficou gravado em minha memória diz o seguinte: Meu marido estaria ‘me ajudando‘ se ele lavasse as minhas calcinhas, coisa que é dever só meu fazer. Cuidando dos nossos filhos junto comigo ele não faz mais do que a obrigação dele”. É ou não é um exemplo perfeito? (Para quem quiser ler a íntegra do texto, clique aqui.) Nunca mais me esqueci disso. Não que eu precise — felizmente tenho ao meu lado um homem cuja consciência em relação à igualdade entre homens e mulheres é admirável, sobretudo num país onde essa consciência ainda é coisa de uma minoria.

No post anterior, aliás, comentei que em casa quem pilota o fogão é ele. Por consequência, é ele também quem planeja o que fazer para nossas refeições, quem se preocupa com quais ingredientes há em casa e quais é preciso comprar, quem vai ao mercado e quem guarda os alimentos comprados, já que ele precisa saber onde cada ingrediente está.

Eu, traindo involuntariamente meus princípios feministas (e vale lembrar que feminismo não significa mulheres querendo dominar o mundo, mas mulheres lutando para ter os mesmos direitos dos homens), por vezes me pego dando explicações a  terceiros sobre o que eu faço em casa. Sinto como se me dissessem (e algumas pessoas dizem!): “Que marido fantástico!!! Mas, se é ele quem cozinha, você faz o quê?”. Tsc, tsc… Quando é a mulher quem cozinha, ninguém pergunta ao homem o que ele faz para compensar esse benefício, pergunta? Mas, quando vejo, já estou me defendendo de uma crítica que, às vezes, está só na minha cabeça: “Ah, mas eu lavo nossas roupas, as do bebê, os lençóis, as toalhas, estendo no varal, tiro do varal, programo tudo para que estejam secas a tempo do dia em que serão passadas [não por mim, mas pela profissional que nos ajuda em casa semanalmente], recolho o lixo, separo as roupas de cama para serem trocadas, oriento a moça toda semana sobre o que precisa ser feito e blá-blá-blá”. Sabe aquela culpa por achar que precisamos fazer tudo? Pois é, não precisamos. Nem devemos. Porque, se há dois adultos num lar, então há dois responsáveis pelos afazeres domésticos, certo? (E conforme o pequeno crescer, haverá tarefas também para ele, na medida de sua capacidade, claro.) A questão é que eu não deveria me obrigar a dar explicações a ninguém, já que a divisão é bastante justa.

A escritora nigeriana Chimamanda Ngozie Adichie, uma das grandes vozes do feminismo atualmente, diz em seu precioso livro Para educar crianças feministas (Companhia das Letras, 2017): “Nossa cultura enaltece a ideia das mulheres capazes de ‘dar conta de tudo’, mas não questiona a premissa desse enaltecimento. Não tenho o menor interesse no debate sobre as mulheres que ‘dão conta de tudo’, porque o pressuposto desse debate é que o trabalho de cuidar da casa e dos filhos é uma seara particularmente feminina, ideia que repudio vivamente. O trabalho de cuidar da casa e dos filhos não deveria ter gênero, e o que devemos perguntar não é se uma mulher consegue ‘dar conta de tudo’, e sim qual é a melhor maneira de apoiar o casal em suas duplas obrigações no emprego e no lar”.

E o bebê, afinal?

Os cuidados com os filhos são igualmente do pai e da mãe. Quanto mais cedo os homens perceberem isso, mais cedo colherão os frutos dessa descoberta

Assim como nos afazeres domésticos, o cuidado com os filhos também precisa ser dividido igualmente. Com exceção de questões de saúde e casos muito particulares, não existe nenhuma justificativa para que a mulher arque com todo o peso das responsabilidades com as crianças. E aqui em casa, tanto quanto com as tarefas domésticas, também as relacionadas ao pequeno são divididas. Marido é um pai primoroso, amoroso, justo. Nas muitas e muitas vezes em que precisei trabalhar nos fins de semana (e eu fazia home office até pouco tempo atrás), marido saía com o pequeno, preparado com frutinhas e papinhas e fraldas e tudo mais, e passava o dia fora para eu poder me concentrar aqui. Sempre se virou e se vira superbem. Eu diria que até melhor que eu, já que é mais calmo e menos ansioso. Em resumo, posso dizer sem pestanejar: marido é pai de verdade. Banho? Dá todos os dias. Reveza comigo no preparo de marmitinhas quando precisamos sair levando a refeição do pequeno. Reveza comigo nas consultas pediátricas. Brinca com o filho enquanto eu cuido das roupas, ou seja, quase todos os dias. Enfim, é pai. Vou queimar fogos? Não, afinal, ele faz apenas o que um pai deve fazer. Tanto quanto eu faço como mãe. Tanto quanto — essa é a diferença. Mas, claro, num mundo de tanta desigualdade, não consigo conter uma pontinha de orgulho, e de pensar na sorte que tenho. (Ou, como diria minha psicanalista, no caminho que nós dois percorremos para ser o que somos e fazer desse relacionamento o que ele é.)

 Reconheço com tristeza que na maioria esmagadora dos lares brasileiros a realidade ainda é dura, a mentalidade machista ainda prevalece e ainda sobra para a mulher a responsabilidade pela casa e pelas crias — além de trabalhar fora, porque, né?, “mulher que não trabalha fora é folgada, só fica em casa cuidando dos filhos” (atenção: contém ironia). E em parte cabe a nós, mulheres, cobrar da sociedade essa mudança de paradigmas, esse equilíbrio entre o que é ser pai e o que é ser mãe.

Fazendo a nossa parte

Sempre me policio para não supervalorizar um homem quando vejo um passeando com o filho ou filha. Fomos criados numa sociedade acostumada a jogar nas costas da mãe a responsabilidade pela cria, e ainda nos causa certo estranhamento ver um homem ocupando esse papel ao lado da mulher. Mas precisamos educar nosso olhar para enxergar com naturalidade um pai que age como pai, porque, felizmente, muitos homens estão descobrindo que ser pai é muito mais que chegar do trabalho e pegar a criança no colo por cinco minutos — e depois sentar no sofá pra ver TV enquanto toma uma cerveja gelada. E, em geral, enquanto a mulher se desdobra pra preparar o jantar, alimentar a criança, servir o marido, lavar a louça, dar banho no bebê e amamentá-lo ou verificar a lição de casa do filho, colocá-lo para dormir, depois continuar a jornada estendendo no varal a roupa que pôs para lavar antes de se ocupar com o jantar, por fim recolher o lixo, preparar a mochila da criança para ir à aula no dia seguinte, e quem sabe até tomar um banho de dois minutos e meio, porque depois disso tudo o cansaço é tanto que ela simplesmente não aguenta mais tempo de pé.

Quando menos pais acharem que basta ser o provedor da casa, quando os pais agirem como pais e se esforçarem como pais, não há dúvida: terão sua recompensa. Porque, claro que dá trabalho, mas o vínculo que uma relação estreita com os filhos proporciona é o melhor presente que um pai e uma mãe podem querer.

 A todos os pais que já descobriram isso, um feliz Dia dos Pais. Àqueles que ainda não são pais de verdade, que vocês em breve percebam tudo que estão perdendo. (E ao meu marido, meu sincero agradecimento e admiração por você ser o homem e o pai que é.)

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *