E eu também fui uma companheira abusiva

homem recostado na parede em uma postura pensativa

Longe de mim tratar a questão dos relacionamentos abusivos apartada da questão do machismo, da misoginia e do patriarcado. Até porque eu trabalho com isso, vejo isso todos os dias e já sofri uma pequena amostra disso (vide o post https://blog.dapimenta.com.br/relacionamento-abusivo/ ), que foi bom pra poder sentir na pele aquilo que minhas atendidas sofrem por tantos anos.

Mas tenho refletido muito nos últimos tempos sobre meu comportamento em outro relacionamento anterior, baseado totalmente no meu ciúmes obsessivo e na minha insegurança.

Não vou dizer que isso era (ou não) justificável diante do comportamento do meu companheiro na época (usar facebook escondido, medo extremo de eu ver o celular dele e etc.). Também não vou dizer que minha insegurança não é, em parte, justificada pela criação machista diferenciada de meninos e meninas. Mas também não vou ignorar minha responsabilidade e vou analisar aqui meu comportamento enquanto “agressora”.

Eu sempre tive um medo surreal de ser traída. Achava que era a pior coisa que poderia acontecer em um relacionamento. Sou muito apegada com minhas coisas e com tudo e todos que considero que são “meus”. Assim, achava que o fato de estar sempre “fazendo a ronda” no consagrado fosse impedir ele de fazer qualquer coisa pelas minhas costas.

Eu sempre deveria saber onde ele estava e sempre contava no relógio os minutos que ele normalmente levava para chegar do trabalho até em casa, suspeitando que qualquer atraso poderia envolver uma carona pra outra garota. E sempre queria saber com detalhes o que ele fez no dia, com quem almoçou, com quem conversou na faculdade e quem era a “fulana de tal”, se em algum momento ele citasse uma fulana (coisa que ele evitava muito fazer, pois sabia que eu já ia pirar!).

Aos poucos, com meus surtos eu fui impedindo ele de fazer coisas novas onde tivesse uma mulher atraente envolvida (ou onde minha imaginação me fizesse acreditar ter). Impedi ele de ir para o aniversário de amigas que eu não conhecesse e ficava maluca com um “amei” nas fotos dele de uma ou outra garota que eu desconfiasse. Stalkeava o perfil das garotas bonitas no facebook e no instagram dele só pra saber que fotos ele tinha curtido e, se no lugar do “curtir” tinha na verdade um “amei”. Claro que eu ficava puta quando o perfil dessas garotas era privado e eu não conseguia obter informações.

Eu isolei ele do mundo e me isolei com ele. Perdi amigos e oportunidades pelo fato de que, se eu fosse fazer algo sozinha (sem ele) abriria um precedente para ele poder fazer o mesmo, o que seria a abertura da porteira pra ele se apaixonar por outra e terminar comigo (ou me trair, o que seria ainda pior).

Eu criei o mundo perfeito onde éramos praticamente ele e eu. Mas esse mundo “perfeito” foi ficando chato, monótono e repetitivo e simplesmente se quebrou. E eu estava praticamente sozinha, com poucos amigos que me restaram, sem outros programas para fazer e companhias para sair. Minha saída era chorar ou arrumar outro namorado. E foi o que eu fiz, e claramente não foi a solução adequada.

E somente aos poucos eu estou percebendo o erro dos meus comportamentos e estou aprendendo muito com isso… Fui vendo o quanto minhas atitudes muitas vezes eram inadequadas e exageradas. Talvez até infundadas! Nem eu gostaria de ter sido tratada da maneira que tratei. Confundia possessividade com amor e ciúmes com fidelidade.

Hoje estou orgulhosa da pessoa diferente que estou me tornando. Deixo o outro livre para sair, ir nas festas sem ficar com cobrancinhas, ligando toda hora exigindo atenção (para marcar território, na verdade) e quero a possibilidade de fazer o mesmo. Quero manter minha independência, sair com meus amigos, continuar meus projetos e fazer coisas novas (com o consagrado ou sem). E sempre me lembro que se a pessoa quiser trair, ela vai fazer de qualquer forma. Ela vai me dizer que está na casa da vó, mas está na cama com outra e eu não vou nem desconfiar. Mas se ela fizer isso, eu vou ter a consciência que o erro não foi meu e não vou me culpar por isso. Se eu descobrir, vou pensar que foi a outra pessoa que pôs tudo a perder e vou sair fora, ficar triste por uns dias (talvez umas semanas) e depois vou fazer piadinhas com meus chifres e bola pra frente!

Como essa mudança aconteceu? Sinceramente, parece ser um mix de fatores: ver o outro lado, sentir o que o outro sente, procurar alguém que te passe uma segurança maior e você mesma ter mais confiança em seu potencial parecem ser os itens básicos. E reconhecer que também pode ter sido abusiva e investigar os motivos disso também é fundamental. E terapia, claro!!

E lembrar sempre: Amor não é prisão. Amor é confiança e sinceridade.

 

2 thoughts on “E eu também fui uma companheira abusiva

  1. carolina goos says:

    Às vezes nos tornamos tão espelho do outro que o abuso também reflete.
    É libertador se livrar de tudo isso!

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