Conto | A Flor

A Flor

Quando achamos que o amor nunca mais virá, quando petrificamos nosso coração para nunca mais amar, sentimo-nos protegidos deste sentimento e não damos importância aos sinais. Foi justamente o que aconteceu comigo.

Fiz de pedra meu coração, não queria mais amar, o tempo passou e eu me acostumei a não ter o amor me habitando.

Tempos atrás, estava observando meu coração de pedra quando percebi que um estranho fenômeno estava acontecendo…

Tinha uma folha, muito pequena ali, em meio a tantas rachaduras na pedra estava nascendo uma pequena folha. Me assustei, pensei em varias maneiras de tira-la dali, mas não encontrei nenhum bom motivo para fazê-lo. Acabei decidindo por não fazer nada. Eu não havia plantado! Deixei-a lá, decidi não podar, e nem regar para ver o que aconteceria em seguida.

Os dias foram passando e por mais que eu não regasse, ela continuava a crescer. Tinha agora três folhas, um caule de uns quinze centímetros e um botão, que mal sabia eu, daria em uma linda flor.

Comecei a ter uma certa afeição pela plantinha e, por diversas vezes, me surpreendi observando-a, aguardando que alguma coisa acontecesse. E aconteceu. Numa noite de céu limpo, estrelado, Lua cheia, perfeita noite, ela desabrochou. Eu fui totalmente dominada por aquela visão: era uma Flor única, seu perfume era inebriante, suas cores eram incontáveis, ela brilhava azul. Sua beleza era tanta que me cegou, fiquei ali, cega e feliz, tudo o que eu pensava era “pelo menos ainda sinto seu perfume”, e assim adormeci.

Quando acordei, na manhã seguinte, demorou um pouco para eu me lembrar do que tinha acontecido. Ao lembrar, achei que tinha sonhado. Mas eu ainda sentia seu perfume, meus olhos ainda ardiam, fui tomada pela alegria, minha Flor era real!

Tive medo dela, confesso, mas eu a queria tanto, eu nunca tinha tido uma Flor assim, e achei que nunca teria. Comecei a passar horas olhando a Flor, e pensando onde ela poderia me levar, afinal, ela uma Flor diferente mesmo! Mais complexa que qualquer outra, porém, mais completa e mais sublime. A Flor me tomou por inteiro e eu me perdi na Flor.

Pensei nas conseqüências, num porquê para mantê-la ali, mas valia a pena. A Flor era perfeita. Mas me assustava. Fui tentada a poda-la, mas eu sabia que não sobreviveria sem ela. Ela já me era vital. Mas o fato de eu não declarar a Flor começou a me sufocar, a me fazer mal, porque ela queria ser vista, a Flor levou um pedaço de mim, um pedaço que eu amava, um pedaço necessário.

A partir daí, o não mostrar a Flor começou a me sufocar, ela queria ser vista, queria que soubessem da sua existência, de seu brilho, de seu perfume. Sofri alguns dias de muita angustia. Tive medo de vê-la rejeitada, de me sentir sozinha. Medo da Flor não ser compreendida. Medo dela murchar. Medo de morrer de amor. Então tive o empurrão de um anjo, motivo da Flor, então falei…

As reações nem sempre são as que esperamos. A Flor não foi aceita. Não foi rejeitada, nem ignorada, só não foi aceita e sobre bons argumentos. Houve um pedido: mudar a Flor de lugar, para amenizar o sentimento, afinal, essa Flor faria qualquer um dos meus outros jardins alegre.

Fui então explicar para a Flor minha decisão. Ela respondeu muito séria.

  • Se é isso que queres Meu Amor, eu aceito, mas tenho que lhe explicar as conseqüências.
  • Conseqüências? Ah, não! Quais?
  • Meu Amor, sou uma Flor, que só nasce uma vez, eu te escolhi,então sou sua. Escolhi nascer na pedra, e aqui estou. Você não me regou, mas seu olhar era tão sincero que eu tive forças para continuar crescendo. Mas eu sou frágil! Vês, não tenho espinhos, pois não quero me defender, meu dono decide o que quer de mim. Mas saibas, eu não posso ser mudada de lugar. Nasci aqui e aqui devo permanecer. Se quiseres, podes me arrancar da pedra, morrerei, não terás que livrar-se de meus restos, à partir do momento que sou removida, desapareço.

Tome sua decisão e eu a aceitarei sem problemas.

Entrei em desespero, o que fazer? Sabia que A Flor era querida por mim, sabia que, apesar de tê-la declarado, ela não tinha sido aceita. Cheguei a dolorosa conclusão de arrancar a Flor, eu teria que sobreviver sem ela, se antes eu vivia, tinha que tentar de novo. Só assim meu coração seria pedra de novo, sem Flor.

Voltei até lá.

Sentei-me diante da Flor.

-Decidi por te arrancar da pedra – disse a ela -, não porque eu não gosto de ti, mas porque faz-me mal vê-la ai, sendo admirada e querida somente por mim. Acabas sendo uma beleza sem finalidade, já que és amor, sem um outro alguém, por quem nasceste não fazes sentido. Fere-me os olhos seu brilho azul, fere-me saber que as flores não podem ser escolhidas, elas simplesmente nascem, talvez, se eu tivesse previsto, não teria deixado que nascesse.

-Mas você deixou não é? – disse a Flor chorosa.

-Deixei, mas não imaginei que serias tão linda, eras apenas uma folha, não imaginei a criatura perfeita que aguardava ali pra nascer, não imaginei que minha vida ficaria tão presa a você, não imaginei que minha vida dependeria de você. Eu não sabia que as flores não podiam ser escolhidas! Eu não sabia!

Comecei a chorar, lágrimas grossas. A Flor pareceu compreender meu sofrimento, então disse:

-Meu Amor, arranca-me então, fico feliz por ter existido, por você ter me olhado, por você ter me querido, por você ter me declarado. Entendo os seus sentimentos Meu Amor, sou incapaz de feri-la. Se não me escolheram é porque não podem, é porque não era pra ser. Acho que se pudessem me escolheriam, pois eu seria eterna, eu sempre estaria aqui, quem sabe criaria mais folhas, quem sabe eu conheceria as borboletas, das quais me falou ou quem sabe eu teria forças para me tornar uma árvore. Mas eu fui ingênua, ao pensar que invadir somente você seria o suficiente, eu errei em minha única chance, e agora, tenho que ir, para que você que eu escolhi por ser tão necessitada do amor seja feliz. Não virá outra Flor! Mas você tem outros jardins, cultive-os e colherá novas flores, e talvez, um dia, alguém escolha uma delas.

Como era perfeita a minha Flor!

-Eu sofro Meu Amor, ao te ver chorando, por isso arranque-me da pedra, e trate de cuidar do seu jardim. É só o que te peço.

Confirmei com a cabeça, eu não acreditava que seria capaz! Ela continuou:

-Pra que seja mais fácil, fecharemos os olhos e contaremos até três…

Estendi a mão e toquei a Flor, senti seu calor, sua respiração, o perfume que ela emanava aumentou, tive um calafrio. Por quê o mundo é tão injusto? É uma Flor tão perfeita! Doce!

Caridosa! Mas era necessário. Fechamos os olhos e então aconteceu. Antes que pudesse dizer um, o Sol que estava quente sumiu, o vento parou, os pássaros que cantavam silenciaram, até o riacho que eu ouvia correr ao longe silenciou, não havia mais perfume. Abri os olhos, era noite, mas também não tinha Lua, nem estrelas, não havia calor nem frio, não havia sabor, não havia nada. Olhei para a Flor, aninhada em minha mão, não havia brilho azul, não haviam mil cores, ela estava ali! Pronta para ser sacrificada, estava fechada. Meu corpo todo tremia, abri minha mão, toquei meu braço, eu não sentia nem o meu próprio toque. Já não existia nada. Tudo era vazio. A Flor, ao perceber que eu não mais nela tocava, foi desabrochando aos poucos. E o mundo foi voltando, as cores, as luzes, os sons, os Perfumes, eu senti minha mão em meu braço um novo calafrio me correu o corpo. E eu sorri! A Flor sorriu! Ela brilhava o azul que eu tanto amo e eu não poderia viver sem ela. Aquilo era eterno, ela sendo querida ou não.

Hoje acordei as 4 da manhã, passei o café, peguei uma caneca e me sentei no quintal para ver o nascer do Sol. A experiência foi real. Não dá para viver sem a Flor. Ela me pediu pra ter calma, pois o amor sempre pode chegar. E pediu também para eu mostrá-la. Não para que ela seja escolhida, mas para que saibam quão prefeita e boa ela é. E mesmo que ela nunca seja escolhida, ou amada, ou querida, que colham os benefícios que ela traz, o carinho que ela tem para oferecer. Sem pressão, sem cobrança. Pois ser amado é sempre bom, e ela diz ter certeza que ninguém jamais reclamaria disso. Isso me fez feliz de novo.

Michelle Spinola

 

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