Carta para a mulher que sou

Mulher de cabelo curto sentada de costas sobre uma escrivaninha

Olá, eu sei que está aí

 

Aí no fundo, talvez cansada de rolar a tela em busca de algum conteúdo que a surpreenda. Que a faça sentir-se viva de verdade.

Eu sei que está aí.

E sei que você mesma sabe que o que busca não está na monotonia das redes sociais.

Os últimos tempos podem ter sido difíceis, mas eu vejo seu rastro em cada coisa que faço ou sinto dentro de mim. Até minha angústia tem um certo ar de fumaça de incenso que você queimava quando precisava de forças. Ela vai se propagando devagar, suspensa. Cinza e leve ao mesmo tempo. E no final ela me deixa com uma esperança melancólica de que é possível transcender para além do que é terreno.

Meu ventre ainda é o seu. E mesmo que ele esteja constantemente se revirando em dores inéditas, eu ainda falo com ele e o acolho. Sinto que é sagrado, como parte de mim e de toda coisa que é viva.

Sabe, no meio desse processo deixei para trás algumas coisas que me acorrentavam a falsas obrigações. Tenho me despido devagar de papéis que acreditei que precisaria incorporar para ser amada e aceita até nos meus piores momentos.

Estou aprendendo sobre você.

Em cada sessão de terapia que me permito falar sem censura. Me desdobro sob um olhar sereno que me ajuda na interpretação do que vem.

Tenho me movimentado para lugares melhores dentro e fora de mim. Tenho acreditado que é possível voltar a respirar através de seus pulmões plenos. Sem aperto no peito para doer nem choro engasgado para incomodar todo fim de tarde.

Finais de tarde são lindos, eu sei o quanto você ama eles.

Aqui da varanda, quase todo fim de tarde, eu posso ver uma garça branca voando alto. Sozinha, indo para algum lugar que só ela sabe qual.

Ela me lembra a gente.

Você, tranquila, que voava alto confiando em suas asas. E eu que, muitas vezes, volto para casa angustiada, a sós com meus sentimentos.

Fato é que a garça continua voando.

Sinto que estou caminhando em sua direção. Sei que você aparecerá mais brilhante que nunca. Hoje eu sei que para viver a mulher que sou, eu preciso entender a menina que fui, na totalidade de suas feridas e necessidades não supridas.

 

Deixo então o meu até logo. Que a gente se encontre em um desses momentos em que o sol descansa entre as serras. E que quando ele acordar para mais um dia, você fique para o café.

Para o almoço… Para o jantar.

Até fazer de mim, novamente o seu lar.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *