Bonecas Russas | Todas somos um pouco

Bonecas Russas

Bonecas Russas

​Bonecas Russas, pensei quando vi a cena. Acredito que quase todo mundo já tenha visto aquelas bonecas que, abertas, possuem outras tantas dentro delas, em tamanho decrescente, as Matrioshkas. Admito que nem sempre soube que tinham origem russa ou mesmo o nome pelo qual são conhecidas, embora já as tivesse visto desde criança.

Como gosto de artesanato e invariavelmente estou bisbilhotando à procura de técnicas novas, pude notar que há muitas variedades das Matrioshkas, confeccionadas em diversos materiais.

​Pesquisando um pouco, descobri que, em verdade, se as fontes procederem, essa boneca foi criada no Japão, tendo sido incorporadas à cultura russa, onde tradicionalmente são feitas de madeira e pintadas à mão, contendo cerca de 6 a 7 bonecas cada uma.

Na Rússia elas adquiriram o significado de maternidade, fertilidade, amor e amizade e, pela importância cultural que lá possuem, ganharam até mesmo um museu.

​Dia desses, enquanto eu me dirigia ao trabalho, para ministrar mais algumas aulas, fiquei pensando em como o tempo havia passado tão rápido, eis que, um dia desses eu era uma estudante.

Por conta de uma brincadeira, um desafio que me foi feito nas redes sociais, inclusive, naquele dia, eu havia postado uma foto da época de universidade e depois de olhar bem para referida imagem, constatei, mesmo que óbvio, que ali estava outra pessoa, outra eu.

​Enquanto eu pensava nisso, no estranhamento de me recordar outra, subia as escadas rolantes do metro, a minha frente, uma senhorinha, bem idosa, com passos lentos e foi quase instantâneo pensar que dentro dela deveria haver tantas outras dela, uma bebê, uma criança, uma Jovem, uma mulher madura e outras tantas facetas que ela possa ter exibido pela vida. E foi nessa hora em que as matrioshkas me vieram à mente.

​Fiquei pensando que, no fim das contas, nós também, quando mais vivemos, mais vamos criando outros de nós, tal como novas cascas que vão se formando, sobrepondo quem fomos e recriando o que vamos nos destinando a ser.

A cada ano vamos sendo novas versões de nós mesmos, os mais recentes modelos de nós, mas jamais nos livramos daquilo que fomos, como se de dentro de nós fosse possível retirar toda uma linha de montagem, toda nossa história de vida.

​Oxalá nos fosse de fato possível sermos como matrioshkas, passíveis de vermos separadamente o que fomos, termos ao menos alguns minutos fora da nossa existência atual, capazes de experimentar, uma vez mais, emoções e sentimentos já esquecidos ou impossíveis de serem vivenciados.

​Embora eu tenha lido sobre o significado as bonequinhas russas, para mim elas trazem essa outra ideia, a de que, dentro de nós há nossas versões, todas guardiãs de momentos únicos, como pessoas diferentes, existentes em planos diferentes, mas sempre lá, latentes.

Assim, enquanto eu olhava para velhinha que seguia a minha gerente, era quase como se eu a pudesse ver criança, não andando a passos lentos e hesitantes, mas saltitando, de vestido curto, colorido e com fita nos cabelos. Mais alguns passos e ela era moça, repleta de vigor e beleza, chamando a atenção dos rapazes que por ali andavam. E enquanto eu mesma caminhava, um pouco atrás dela, era como se eu também pudesse ser novamente a jovem que horas atrás eu estranhara em uma fotografia velha.

​É muito estranho pensar no tempo e constatar o que ele é capaz de fazer, no que ele nos torna, mesmo a contragosto. Quando criança eu ficava tentando imaginar como seria crescer, como se fosse algo que ocorreria de um dia para o outro.

Descobri que crescemos sem nos dar conta e o processo todo, de fato, parece-me, agora, ter ocorrido todo em um único dia, ou seja, ontem. Tudo passa depressa demais e quando nos damos conta, somos como as bonequinhas russas, grávidos de nós mesmo, mas prisioneiros do que nos tornamos, sem que nos seja possível a dissociação, à exceção do que nos ocorre nos sonhos ou na memória.

​Caso nos fosse deferida a opção de irmos nos “descascando”, despindo-nos de nós mesmos, talvez alguns de nós pudessem recuperar sentimentos, sonhos e esperanças. Talvez fosse possível curar feridas, salvar nosso corpo e alma. Apesar da impossibilidade física disso, creio que possamos eliminar as camadas de vida que acumulamos injusta e inutilmente, fazendo com que o desgaste do tempo sobre nossos corpos não importe em desgaste de nossas almas.

​Gosto de imaginar, enquanto ando por ai, que, em algum lugar, em cantos que não quero esconder, seguem dentro de mim, curiosas, tanto uma criança feliz como uma estudante que não se cansa de acreditar que o melhor ainda está por vir.

Cinthya Nunes – cinthyanvs@gmail.com

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