The Promised Neverland – análise com spoilers (Parte1)

imagem do anime The Promised Neverland, com 04 crianças

Diante da realidade surreal que atualmente vivemos, é bom parar para curtirmos um desenhinho mais leve… Ou não…

Ok! Sei que não estou nem um pouco adiantada, já que o anime tem dois anos (também temos o mangá, ainda mais antigo, mas não o li) e pode ser que nem se possa mais falar em spoilers… Mas vamos lá!

The Promised Neverland é um anime curtinho disponível na Netflix, com 12 episódios (mas tudo nos leva a crer numa segunda temporada em breve) e que se passa no futuro (em 2045, pelo que lembro). Eu estava atrás de algo leve, engraçadinho e fofo, que fosse curtinho, então resolvi apostar, diante da nota de quase 5 estrelas no aplicativo.

Ledo engano! Assisti ao primeiro episódio e pensei “não sei se era exatamente isso que estava procurando”. Naquele dia, parei o anime e fui atrás de algo realmente mais leve (Little Witch Academia, também o primeiro episódio). Mas adivinha qual deles que fui retomar na noite seguinte??

AÍ COMEÇAM OS SPOILERS…

A trama se desenvolve rápido, sem enrolação. No primeiro episódio você já entende a problemática das crianças que, por um lado levam uma vida feliz e amorosa num orfanato, tendo os vários irmãos e a Mama por sua família, mas por outro, aguardam a data de sua adoção, que é a promessa esperada. E ao longo do desenvolvimento, fãs de distopias perceberão semelhanças com os clássicos do gênero, o que me levou a concluir sim, que The Promised Neverland, apesar de não ser algo tão elaborado, é uma vivência otimista dentro de um contexto distópico.

O orfanato é composto por uma só mulher que gerencia tudo e cuida simultaneamente de 37 a 38 crianças, enquanto uma delas, a cada período de dois meses é “colhida”, acreditando que se trata de uma adoção. As crianças mais velhas (de 10 e 11 anos) ajudam nas tarefas domésticas, como arrumar a mesa para o jantar, lavar e estender as roupas. Mas, claramente o trabalho de cuidar, educar e dar carinho às crianças é exercido na sua ponta por uma só mulher.

Posteriormente, uma ajudante (e única personagem negra que consegui visualizar, ou pelo menos, a mais retinta – Irmã Krone) chega para auxiliar na vigilância das crianças, que então já descobriram a verdade e planejam fugir. Mas não há no anime a figura de um pai, sequer no sentido de somente fecundar a mulher. Na verdade, não há, pelo que lembro a figura masculina, além é claro, das crianças de até 12 anos e dos monstros que as esperam para o banquete. Nesse contexto, duas coisas me lembraram The Handmaid’s Tale.

Primeiro, a obrigação da mulher dar a luz a uma criança: antes da mulher se tornar Mama, ela deve engravidar uma vez. Isso dá a entender que, havendo 05 fábricas (orfanatos) com capacidade para mais de trinta crianças, certamente as mulheres que não se tornaram Mamas estão servindo como meras parideiras, na verdade meras fabricantes, onde seus produtos logo lhe serão retirados e mandados para um orfanato, aos cuidados de uma Mama.

Ou seja, não é dado à mulher o direito de cuidar e de ver seu filho crescer ao seu lado, não podendo se apegar a ele, pois ele é um mero produto (tal como fazemos na produção artesanal, ou mais próximo até do gado criado nas fazendas). Como os garotos não sobrevivem após completarem 12 anos, há mais mulheres do que homens, o que me levou a entender que poderia haver um sistema de congelamento de gametas masculinos para posterior inseminação artificial nessas mulheres. Mas isso é uma mera suposição minha.

Segundo que, as funções mais estimadas (de controle das fábricas, de controle da matriz, com a seleção de quem será o enviado da próxima colheita, de educação das novas Mamas) são ocupadas por mulheres. Assim como em The Handmaid’s Tale, há uma hierarquia entre as mulheres: as aias (que são as “servas”), que aqui comparo com as candidatas a mamas, as Tias (a superiora que ensina as aias qual é sua função, seu lugar e pune aquelas que não cumprirem as normas, que aqui no anime me parece ser aquela senhora da matriz que pouco vemos, mas que geralmente estende sua mão para levar as crianças (e as “aias” desobedientes) a seu cruel destino.

E também a própria Mama, que é alguém que não precisa mais engravidar, está num nível acima das outras mulheres, gerencia a fábrica e ainda deve obediência à matriz, também sendo uma pessoa que nunca atravessou os muros do confinamento. Eu compararia as Mamas às esposas de Handmaid’s, que têm alguma influência sobre as decisões políticas (ou acreditam nisso), mas não lhes é dado acessar o conhecimento, nem dar a palavra final naquilo que esteja fora do âmbito doméstico. Ou seja, apesar da sensação de poder, ainda estão submetidas à opressão do sistema.

Em The Promised Neverland, as melhores meninas, ao chegarem aos 12 anos são indicadas para se tornarem futuras Mamas e, como se de fato tivessem alguma livre escolha entre morrerem e virarem comida de monstros ou continuarem vivendo para assumir o lugar de algozes, tem-se a quase imposta realidade de que a única salvação do oprimido é se tornar o opressor (tomando-se por base a célebre frase de Paulo Freire, mas adaptando-a ao contexto). E, claro, a hierarquia de cargos leva à competição entre as mulheres, culminando na punição, que mostra a cada uma seu devido lugar.

No fim das contas, pode-se dizer que as mulheres não vigiam somente as crianças, mas cada uma vigia também a outra, esperando, ou tomar-lhes o lugar, ou eliminar a concorrente. Ao invés de se unirem contra o sistema opressivo (será que sequer percebem a opressão?), mantém a roda funcionando e, com as devidas adequações de gênero, e, novamente, com adaptações ao contexto do anime, caem no dito “o homem é o lobo do homem”, frase popularizada pelo (e veja que ironia!) criador de A Utopia.

 

No próximo post teremos a continuação da análise do anime The Promised Neverland!

Para entender melhor sobre distopias, clica aqui.

Sobre a retratação gráfica da Irmã Krone, esse post bem interessante.

(imagem do site Trem do Hype)

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