Pequena morte | Uma reflexão sobre infância, sexualidade e modernidade

reflexão sobre infância

Uma reflexão sobre infância, sexualidade e modernidade

Precisamos falar sobre as nossas crianças. Precisamos falar sobre os nossos filhos, os filhos do tráfico, os filhos da violência, os filhos da fome. Precisamos falar com as nossas crianças. Precisamos falar sobre o corpo, sobre o respeito, sobre o amor, precisamos falar sobre a violência. Precisamos escutar as nossas crianças. Escutar cada história de um dia na escola, escutar as risadas durante as brincadeiras, escutar os choros abafados no escuro, escutar inclusive o inaudível de uma existência que não se traduz completamente em palavras.

Precisamos enxergar as nossas crianças. Não como seres imaculados com bochechas vermelhas como sugerem os anjos de Rafael Sânzio. Mas como quadros em construção, em que a vida pincela com cada experiência uma nova cor. Cores que ganham formas, texturas, personalidades, comportamentos e até exposições de arte.

Precisamos ler nossas crianças. Pois nem sempre as cores que marcam cada pintura, são as mais suaves. Pois fora do alcance dos nossos braços existe um mundo que pode ser lindo e também cruel. E proteger não significa idealizar numa bolha um universo mágico que não existe fora dela. Muito menos construir com o medo muros que as impedem de ver. Muros que nos ensinaram a acreditar quando crianças, como naquela musica da Elis Regina, “Como nossos pais”.

Precisamos preparar nossas crianças pra que possam caminhar com as próprias pernas quando se sentirem seguras ao tocar o chão e ao mesmo tempo mostrar que não estarão sozinhas nessa estrada. Que o mundo é mesmo muito estranho e se sentir diferente é mais comum do que parece e melhor do que elas imaginam. Pra que quando alguém tentar lhes tirar a importância de um existir que não segue os padrões de contos de fada (príncipe e a princesa, o branco e a riqueza), de mãos dadas elas nos ensinem a lutar e também amar. Inclusive a si próprias.

Precisamos conversar com as nossas crianças sobre o poder que têm sobre o próprio corpo. Que qualquer coisa que as deixem constrangidas,tristes, com medo ou dor não deve ser ignorada. Para que nossas crianças não sejam mais um número estatístico de adultos que esconderam durante toda infância estupros por medo da reação dos familiares ou cuidadores. Para que a pedofilia não seja sinônimo de impunidade e naturalização.

Precisamos acreditar nas nossas crianças. Não subestimar a capacidade delas de entender sobre o mundo e sobre o que sentem. Precisamos olhar de maneira sensível cada descoberta, ainda que nos pareça cedo demais. Pois elas não são um anexo de nossos corpos, mas seres independentes com tempos particulares. E se as ensinamos o respeito, respeitemos então a liberdade de existirem fora do nosso “ideal”, inclusive estético.

Precisamos ouvir nossas crianças para que ela entendam a importância de se ter voz. E não permitam que esta seja silenciada por qualquer descriminação. Que possamos explicar também os motivos dos “nãos” que ouviram de nós e até nos convencer do contrário. Pra que vejam que o diálogo e argumentação devem prevalecer no lugar da força.

E então falemos sobre as nossas crianças que atravessam oceanos e morrem na praia. Sobre as nossas crianças que tentam cobrir o amargo da rua vendendo doces, corpos e infâncias. As mesmas que aprendem a atirar e a morrer. Que mal aguentam o peso do facão e se embrenham em canaviais. E que da janela admiram as balas como estrelas cadentes, pra arriscar um único pedido, sobreviver.

As manchetes dos jornais anunciam “ A morte da infância”. E por morrer todos os dias, PRECISAMOS FALAR SOBRE AS NOSSAS CRIANÇAS.

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *