A oitava menina da casa verde

A oitava menina da casa verde (1)

As meninas da casa verde…

No século 18, um um grande terreno na zona norte de São Paulo, nomeado “Villa Tietê”, começava a ser loteado. Segundo documentos e evidências apresentadas pelo Acervo Estadão, o então proprietário era o Tenente General José Arouche de Toledo Randon, primeiro reitor da Faculdade de Direito da USP. O terreno tinha cerca de 3 hectares. Nele existia uma casa verde, onde moravam as sete irmãs solteiras de Randon. Uma para cada nota musical. Uma para cada cor do arco íris. Rapidamente, elas ficaram muito populares entre os estudantes do irmão – muitos iam cortejá-las. Hoje, o bairro correspondente ao antigo terreno é batizado de Casa Verde.

Depois de 190 anos do nascimento da caçula de Randon, em 18 de junho de 1954, a esposa de João Torrigo, Aurora, pariu sua filha mais velha, Denise Zerbini Torrigo. Surge a oitava menina da Casa Verde. Tão bem mimada quanto qualquer uma das primeiras sete moças da região, ela não mente, “sempre fui muito bem cuidada”. Hoje, com 63 anos, e casada com Roberto Pallesi há 33, Denise Pallesi é uma música completa. O arco-íris inteiro em uma única mulher.

Quando estava prestes a entrar no colegial, hoje chamado de ensino médio, optou pelo curso científico, direcionado à quem gostaria de seguir carreira na área de biológicas ou de exatas. Na época, seu sonho profissional era ser médica. Mas um professor de português lhe apresentou uma nova forma de cuidar do próximo: lecionando. Ela fala com ar confidencial que o mestre foi uma paixão platônica e a levou a perceber, na faculdade de letras, um futuro onde ela poderia continuar trabalhando e também realizar o sonho de ser esposa, mãe e dona de casa.

Emoção, relacionamentos e financeiro

Uma mulher vaidosa, não deixa a idade transparecer, gosta de estar bem consigo mesma. Denise está sempre bem arrumada, e sempre fez questão de buscar sua estabilidade financeira, assim, ela mostra se sentir equilibrada entre três eixos: emoções, relacionamentos e financeiro. Aos 16 anos conquistou seu primeiro emprego por meio de um tio, e trabalhou como auxiliar de escritório por aproximadamente sete anos. Saiu do emprego apenas no último ano de faculdade, queria se aprofundar nos trabalhos de conclusão de curso e precisava cumprir às horas de estágio. Na hora de buscar por experiência, foi além, enquanto a maioria dos seus colegas assistiam aulas de professores formados, ela já lecionava.

Ao se formar, gostaria de lecionar na Cultura Inglesa, uma escola de inglês bem conceituada. Conseguiu entrar na empresa como secretária do coordenador de cursos. Se frustrou ao perceber que não iriam lhe dar oportunidade como professora, mas conta os fatos seguintes com ar de orgulho. Não pela vaidade, mas pela sensação de trabalho bem feito. “Eu queria progresso, e eles não iriam me proporcionar isso. No mesmo dia que me dei conta dessa situação, fui até uma agência de empregos, onde me falaram de uma vaga na região de Perdizes para secretaria com conhecimentos em inglês. Fui até lá, me avisaram e deveria primeiro fazer uma entrevista em inglês e, se fosse bem sucedida, também teria uma conversa com o contratante. Passei na primeira etapa e segui para conversar com o gestor da vaga. Ao final, ele não só me contratou, por ter notado uma compatibilidade do meu perfil com a vaga, e ter recebido fortes elogios sobre meu inglês, fui admitida como secretária bilíngue júnior”. E, assim, em 1978, ela passou a ganhar cinco vezes mais que na Cultura Inglesa, ambiente responsável por lhe dar uma experiência única na língua, pois seu chefe e muitos funcionários eram ingleses. Curioso como, no seu olhar, ela mostra acreditar que, bom, era para ser.

E não esconde, “Eu me sinto predestinada”.

Antes de julho de 1977, Denise havia tido alguns namorados. Um deles, ela conta, um tanto quanto imaturo, ela não conseguia imaginar ambos construindo algo juntos, “na época a mulher era criada para o casamento. O ideal não era namorar muito tempo, pois só no casamento podia se viver plenamente uma relação”, ela explica. Mas, um mês depois de seu aniversário de 23 anos, ela estava no Clube Espéria – ainda muito conhecido na região. E acabou conhecendo Roberto Pallesi. E, apenas depois de começarem a namorar, ela descobriu que o moço, além de ainda estar na faculdade de engenharia, ainda tinha 20 anos. Mas ela sentia nele a mesma confiança dela. Ele era um homem maduro e especial. Assim, ela percebeu que seu destino era namorar por muito tempo. “Quando conheci minha sogra ela logo me alertou disso, mas não me incomodei. Também queria esperar ele se formar antes do casamento. Eu sempre pensei assim e continuo aconselhando os mais jovens: casar não é brincar de casinha, é preciso ter uma base financeira”.

Vista do bairro Casa Verde, na zona norte de São Paulo, em 1982

Antes mesmo de marcar o casamento, ela já havia dado entrada no apartamento no bairro da casa verde, de onde nunca saiu. Roberto se formou e já encontrou um emprego. Assim, se casaram quando ela completou seus 30 anos. Enquanto viajaram, os pais de Denise terminaram de arrumar o primeiro lar do casal, “eles não tinham muito recursos, mas meus pais foram umas gracinhas. Ajudaram em qualquer detalhe que podiam”.

Mãe e profissional

Em 1985, saiu da multinacional ligada à defensivos agrícolas. Devido à legislação brasileira a filial do nosso país foi fechada. Denise conseguiu ser admitida na Mc Donald’s, para trabalhar com três dos diretores. Na época, o escritório ficava na Avenida Paulista – a mais charmosa da América Latina. Quando estava com dois anos de casada, foi promovida. Com o tempo, porém, encontrou dificuldades de relacionamento com seu novo superior, Gregory Ryan. “Decidi conversar com ele, e ouvi que não era a profissional esperada. Isso eu não admiti. Sempre tive orgulho do meu desempenho profissional. Então pedi para ser demitida, ele o fez. E, mesmo assim, nunca foi visto como demérito. O fato de eu ter trabalhado em uma empresa tão reconhecida, me abriu portas”. Inclusive a porta da Riachuelo, empresa em que trabalhou até sua aposentadoria e hoje localizada em uma travessa da Avenida Casa Verde.

É curioso como Denise conseguiu trilhar, de forma simultânea, dois caminhos opostos. Sua caminhada profissional pode ser tida como um exemplo. Ela sempre esteve na hora e no lugar certo. E em nenhum momento isso a impediu de construir uma família. Devido um problema no útero, perdeu a primeira e a terceira gestação. A segunda, ela descreve como uma benção, correu tudo bem, e a empresa onde trabalhava não se importou quando tirou a licença maternidade. Os avós ajudaram a criar o filho, Guilherme, e foi tão mimado quanto a mãe, mas não tão obediente. Hoje casado e com 29 anos, o jornalista às vezes brinca com a mãe, “ainda bem que eu busquei ter outras atitude, se eu tivesse te obedecido a vida inteira, seria um menino chato de condomínio”.

Ela confessa, “às vezes, claro, eu brigo com meu marido, ou com meu filho. Quando a gente vê alguém que amamos tanto fazendo algo que não concordamos, é normal ficarmos chateadas”, justifica. Lamenta a falta dos conselhos de seus pais, hoje, deixou de receber o colo para oferecer. E seu ar maternal entrega: o faz muito bem. Gosta de fazer tudo com amor e cuidado, desde a escolha minuciosa da xícara que irá servir o café até a organização da casa – onde a lembrança de cada viagem fica no seu devido lugar, e nenhum quadro sequer sabe o que é ficar torto. Atualmente, ela oferece aulas particulares de inglês. Seus alunos têm o prazer de poder ficar alguns momentos em sua casa, um ambiente extremamente acolhedor, com cheiro de mãe e café bem feito.

One thought on “A oitava menina da casa verde

  1. Claudio says:

    Boa tarde,
    Conheci a dona Denise no meu primeiro emprego nas Lojas Riachuelo, como office boy. Aprendi muito com ela, e sou grato por tudo que fez por mm. Lá se vão 33 anos, mas nunca me esqueci da dona Denise.

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