O agonizar da língua portuguesa

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O agonizar da língua portuguesa

​Vivemos o agonizar da língua portuguesa e digo isso sem receio de parecer pedante ou alguém que não erra. Ninguém, ou quase ninguém, está isento de errar quando se escreve, de se equivocar na grafia ou mesmo na concordância, entre outras possibilidades perigosas da comunicação escrita e falada.

Também é importante frisar que não se pode cobrar o acertado manejo da língua portuguesa de pessoas que não tiveram condições adequadas para estudar, para formar, pela leitura livre ou pelos bancos escolares, vocabulário mais denso.

Muita pretensão daquele que acredita que não erra nesse campo, sobretudo com uma língua tão rica como a nossa.

​E é exatamente por isso, pela grandiosidade do idioma que falamos (ou deveríamos falar) nessa terrinha, que não posso entender as razões pelas quais é colocada tão de lado em determinados meios, como no corporativo, por exemplo, embora não exclusivamente.

Ao contrário de ser valorizada, de ser colocada em primeiro lugar nas entrevistas de seleção de funcionários, de ser exigida como requisito diferenciador, o que mais se nota nos anúncios de vagas é que o domínio do português cede diante da necessidade de se falar/escrever em inglês.

​Antes que me acusem de ignorância sobre a importância de se dominar o inglês, eu registro que não olvido que ser fluente em uma das línguas mais faladas do mundo é relevante em um mundo globalizado.

Por óbvio que para um executivo ou outro funcionário que precise ler, conversar ou fazer outros contatos com estrangeiros, será imprescindível poder se comunicar adequadamente, mas não é sobre essas pessoas que comento nesse texto.

Refiro-me àqueles que não somente não falam inglês corretamente, como também mal manejam a língua portuguesa, mas abusam de expressões em inglês que, desnecessárias, alternam pieguice com pedantismo.

​Quem já frequentou ou frequenta o mundo corporativo, sabe que são rotina as “Brainstorm”, as decisões “topdown”, as reuniões de “feedback”, questões de “Compliance” e mais algumas coisas.

Fico pensando se não seria mais fácil se falar em troca intensa de ideias ou posicionamentos, as decisões de vem de cima, de quem manda, assim como as reuniões de retorno e as questões de confiança e comprometimento institucional.

Ainda que certas expressões em inglês possam não ter eventualmente significado idêntico correspondente a uma palavra em português, acredito piamente que se deva ter cuidado com o excesso de outra língua em detrimento da língua pátria.

​O curioso é que vemos altos executivos, repetidores de expressões americanizadas, mas paradoxalmente incapazes de redigir um texto ou falar diante das câmeras sem que seus textos tenham sido adredemente preparados por assessores de imprensa ou outros auxiliares.

Isso sem dizer da quantidade de vezes nas quais após intermináveis reuniões lotadas de estrangeirismos, presentes apenas brasileiros, soltam um “gratuÍto”.
​Admiro profundamente as pessoas que tem domínio em outros idiomas e eu mesma vivo estudando para isso, embora esteja a milênios de ser fluente em qualquer língua, diga-se de passagem.

O que chamo à reflexão é o fato de como parece que perdemos o interesse e a importância pela nossa língua, usando de qualquer outra e não exclusivamente o inglês, para nomearmos coisas para as quais temos nomes comuns.

​Acredito piamente que um profissional que se expresse bem em português e em outra língua deva ser melhor remunerado se sua função requer tal qualificação, mas hoje se passou a exigir conhecimentos de inglês até para funções bem simples, sem que se dê o mesmo valor para o português.

Depois não adianta cobrarmos  o acerto de cartazes, emails, avisos, provas e outros que, repletos dos mais absurdos erros, estampam postagens engraçadas das redes sociais.

​Estou certa de que todos nós conhecemos a dificuldade que muitas pessoas têm na pronúncia e na escrita de palavras muito simples. Embora por vezes engraçadas em um primeiro momento, isso é na verdade lamentável.

Estamos nos tornando uma nação colonizada pelo idioma que mal compreendemos, mas que ocupa nossa vida diária, imposto por pessoas que, não raras vezes, escrevem e falam errado o que deveriam fazer corretamente.

​Certa feita, enquanto recebia alguns amigos australianos, pedi desculpas por não falar inglês corretamente como gostaria. Ele olhou para mim, meio sem entender (talvez não tivesse mesmo, rs) e, sorrindo, respondeu-me que tudo bem, já que ele igualmente não sabia português.

O que chamou minha atenção foi a naturalidade ao admitir algo que, no Brasil, parece um crime capital, um demérito, uma vergonha que parece não existir quando se trata de escrever e falar excrecências em português.

​Acredito que, nas últimas décadas de forma mais acentuada, acabamos perdendo valores importantes para o fortalecimento como nação, tais como sentimento de propriedade, de patriotismo.

Estou convicta de  que isso passa pela valorização da língua, sabendo que uma palavra não fica mais bonita se for substituída pelo seu nome em inglês ou outro idioma, bem como ninguém ficam mais importante por ser um “Administration financial founder partner tabajara” se sequer sabe se fazer entender pelos seus pobres súditos.

​Comunicação é entendimento, é transmissão de ideias, não mero derrame de palavras!

Cinthya Nunes – cinthyanvs@gmail.com
Advogada sócia da Silva Nunes Advogados Associados. Cronista.

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