MELISSA, QUE FALTA VOCÊ ME FAZ

MELISSA, QUE FALTA VOCÊ ME FAZ

Sister I see you
Dancing on the stage
Of memory
Sister I miss you…

(Irmã, eu vejo você

Dançando num palco
De memória.
Irmã, eu sinto sua falta)

Foi escutando agora em 2017 essa música lançada em 1995 pelos Nixons que eu, que venho escutando essa música por mais de 20 anos, me dei conta de um fato inédito na minha vida, tão inédito, que não havia aparecido nem em 16 anos de análise.

Sou uma primeira filha, única mulher, com dois irmãos homens mais novos. Quando eu nasci, fui a primeira neta dos dois lados, a primeira bisneta da única bisa viva.

Ao passar um pouco dos 2 anos de idade, claro que não me recordo conscientemente, minha mãe teve uma gravidez de molas, uma barriga que durou pouco tempo antes que tivesse que ser operada e encerrada, pois daquele mato não sairia coelho. Eu acredito, como psicanalista, que o sentimento de perda, ou derrota, ou pura tristeza de meus pais, possa ter me deixado rastros inconscientes. Mas, vida que segue.

Passando dos 3 anos, recebi a notícia de que minha mãe esperava novamente alguém na barriga. Desta fase me lembro, e lembro também da minha torcida: que fosse menina, que se chamasse Melissa. Seria a minha boneca, a minha bebê.

Eis que nasce o primeiro irmão, Marcelo, e seus mais de 4 quilos.

Agora, como mãe de um casal, me ocorre que meus pais, muito provavelmente, tenham tido um sentimento de sorte muito grande, uma vez que passaram a ter um casal de filhos. Isso significaria passe livre, camarote vip, para o mundo dos laços e das luvas de goleiro numa visão poética da parentalidade.

Quando estava a caminho dos meus 5 anos, seria a vez da última barriga da minha mãe. Aquele sentimento de “agora vai!” tomou conta de mim. Já tinham mandado um casal para meus pais, um de cada, agora só faltava a minha boneca, a minha Melissa. Como essa “barriga” já me pegou mais velhinha, eu a acompanhei bem de perto. Podia jurar que conseguia ver no interior do corpo da minha mãe Melissa se formando, toda perfeitinha, para prestar bastante atenção nas aulas que eu daria nas brincadeiras de escolinha, para eu pintar suas micro unhinhas com o esmalte infantil da Avon, para que eu pudesse cozinhar a sua papinha no meu fogãozinho, nas minha panelas de plástico.

Eis que vem o segundo irmão, Maurício, e seu monte de cabelos.

Meus pais estavam felizes com entrada garantida nos universos de menina e de menino, meu primeiro irmão tinha agora com quem brincar, com menos de 2 anos de diferença, e eu continuava sem a minha boneca. E a Melissa continuava sendo uma promessa de mim para mim mesma.

Até que chegou um momento, que não demorou muito, em que eu “realizei” que não ia rolar Melissa nenhuma.

Durante a infância eu ficava imaginando o quanto estava perdendo em brincadeiras de Barbie, em maquiar uma a outra, em ajudar na lição de casa, em brigar pelo bambolê. Confesso que avancei com amiga imaginária até relativamente tarde dentro da infância.

Durante a adolescência eu monitorava as amigas que tinham irmãs e ficava planilhando mentalmente tudo o que eu estava deixando de viver com Melissa: não ter com quem trocar confidências, pegar roupa emprestada, emprestar brinco, em quem colocar a culpa, com quem se estabelecesse um mercado negro de acobertamento de mentira mútuo frente à autoridade parental.

Mas foi só na idade adulta… (mentira, foi só ontem) que percebi que o que eu deixei de construir com a Melissa é muito maior do que qualquer coisa que eu tivesse tentado listar até agora. Eu consegui perceber como as mulheres formadas com irmãs são mais generosas com outras mulheres, como trocam dicas, como quando se juntam com outras mulheres potencializam seus “mulherismos”, na força e na fragilidade, como se ajudam mais e, quando resolvem competir, competem de forma mais franca.

Ela seria completamente diferente de mim, ela seria melhor do que eu em muita coisa, nós iríamos brigar por um monte de coisas, eu ia ter muito ciúme dela, eu ia dar lição de moral o tempo todo por ser a mais velha e ela ia me dar uma banana e zoar com a minha cara. A gente ia dividir o sorvete para não engordar, esconder as mutretas da outra e depois ameaçar contar tudo, testando nosso lado vilã de novela das oito.

Eu acho que eu seria uma mulher muito melhor se tivesse tido Melissa ao meu lado.

Eu acho que eu não vou deixar nunca de sentir saudade da Melissa que eu nunca tive.

Eu acho que eu nunca mais vou escutar essa música sem ficar com um mar no olho, um caroço na garganta, e um aperto de saudade no coração.

Fonte da Imagem: google.com

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *