Jornal para cachorro: Será que cachorro lê?

Jornal para Cachorro: Será que cachorro lê?

 

Dia desses, saindo do metrô, olhei para a banca de revistas que fica muito próxima e li um pequeno cartaz no qual estava escrito “Temos Jornal para Cachorro”. Por óbvio que, para uma curiosa crônica como eu, o estranho anúncio não poderia passar despercebido.

Demorei alguns minutos para me dar conta da verdadeira destinação dos referidos jornais. Por alguns minutos, contudo, foi engraçado pensar em um jornal destinado ao público canino, o que perfeitamente poderia ocorrer em um mundo de fantasia, em algum universo paralelo, desses que dão vida a filmes que transbordam nosso imaginário.

Fiquei imaginando quais as notícias um jornal para cachorro poderia ter e, dando asas à imaginação, supus que as principais manchetes seriam sobre os melhores lugares para se fazer xixi e dicas de especialistas sobre “como convencer seu dono a te dar a comida dele e que não foi você que começou a briga com a almofada”. No boletim feminino, talvez houvesse algo sobre “como lidar com os a TPC, também conhecida como tensão pré-cio” ou a luta para substituir os termos Cadela e Cachorra por algo menos pejorativo.

Maluquices à parte, os jornais anunciados na Banca se destinam a servir de banheiro para os cães, sendo comum também serem colocados para forrar ambientes nos quais há animais de estimação. Dei uma olhada melhor para a pilha de jornais postos à venda e notei que deviam ser jornais que não foram vendidos e cujas notícias se tornaram amanhecidas, tal como pão duro, não mais servindo para os seus fins primordiais e essa ideia me levou a outras reflexões, sobre as quais prossegui, no percurso que fiz a pé, matutando.

Fiquei imaginando quantas notícias não lidas devem jazer no fundo de caixas, gaiolas, solapadas de xixi e cocô de cachorro. Provavelmente esse mesmo texto que agora escrevo vá ocupar esse espaço na casa de alguém. Se nessa hora a pessoa se dispusesse a ler as palavras aqui escritas, veria minha mão levantada, pedindo para que me dessem um minuto de atenção antes que minha escrita venha a sucumbir, sem leitura, virgem, no mundo do que nunca se leu ou será lido.

Ao escrever sobre isso, inclusive, sou tomada de um certo pavor, receosa de permitir que meus textos deixem o conforto (às vezes desconforto) das minhas ideias e de meu teclado, eis que, postos no mundo, não mais me pertencem, não mais os posso proteger… Nesse sentido, são como filhos de papel, paridos para serem livres, para buscar quem os queira aproveitar.

É fato, porém, que muitas das notícias trazidas pelos jornais, não por culpa dos jornalistas ou redatores, mas pelos protagonistas das histórias e fatos relatados, sobretudo nos últimos tempos, andam mais dignas de serem Jornal para Cachorro do que de ocuparem espaço nas vidas alheias.

É tanta corrupção, tanta falcatrua anunciada, que dá desgosto até saber o que mais se descobriu, até porque qualquer um pode imaginar que apenas se trata da ponta de um iceberg de proporções astronômicas.

Ler que a maior Casa Legislativa Brasileira quer anistiar os praticantes de Caixa 2 faz com que todo cidadão de bem, para além de poder enfartar ou ter uma congestão, seja chamado, no mínimo, de idiota.

Talvez devêssemos colocar, mesmo para as notícias mais frescas, uma advertência de que se trata de Jornal para Palhaços. Pobres de nós, cidadãos de bem, cumpridores de nossas obrigações, espoliados até os ossos por uma corja podre, venal e cretina que não teme a espada da lei, apropriando-se do dinheiro público e usando para forrar seus chiqueiros, a bandeira brasileira…

 

Cinthya Nunes – cinthyanvs@gmail.com

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