Eu não nasci para ser pai

menino grita no microfone

Eu não nasci para ser pai

Um bebê atormentado que chora incessantemente.

A mãe exausta, frágil e desamparada.

O pai, ao presenciar a cena, verbaliza:

  -Eu não nasci para ser pai.

Assim começam muitos dramas familiares. Famílias nas quais as relações se consolidam de forma unilateral, atribuindo a uma das partes a total responsabilidade de impedir que os laços não se rompam definitivamente.

Ser pai x Ser mãe

Infelizmente mesmo nos dias atuais, o papel de pai é muitas vezes resumido ao sustento da família. O homem cuja visão é ainda atrasada, mergulhada em machismo e preconceitos, se vê isento do dever de participar na formação emocional de seus filhos. Alheio então à escuta, à conversa sobre sentimentos e emoções, se posiciona como um mero agente de punição ou de divertimento da criança. O restante é frequentemente deixado sob responsabilidade da mãe. Mãe essa que se desdobra em mil funções para conseguir atender às necessidades dos filhos. Se possível, às suas próprias necessidades também.

Enquanto o pai, quando se sente cobrado a fazer melhor, recua alegando não ter nascido para isso.

Para onde vão as mães quando estão cansadas

Houve um tempo em que não se falava sobre a maternidade real. Ainda hoje é tabu, de fato.

Porém, graças à coragem de algumas mulheres que se dispuseram a falar abertamente sobre suas vivências, o assunto tem recebido mais visibilidade.

Caso mesmo assim o leitor não saiba do que estou falando, eu posso explicar.

Apesar de mãe, essa mulher é um ser humano. Isso significa que existem limites físicos e psíquicos nela. Significa que apesar de nutrir um grande amor por sua cria, a mãe também, diante de uma situação nova e estressante, não sabe ao certo o que fazer. A mãe sente sono, mesmo conseguindo acordar de madrugada para amamentar. A mãe se sente cansada, mesmo quando consegue continuar fazendo tudo. A mãe também se pergunta se nasceu para ser mãe. A mãe duvida disso em algum momento e chora sozinha. Mas para uma mãe é muito mais difícil dizer que não nasceu para a maternidade, pois ela sabe o quão insubstituível é seu papel.

A nossa cultura nos ensinou muito bem a importância da presença materna. Mas permitiu de forma velada o abandono afetivo por parte dos pais. Já que mesmo quando não abandonam suas famílias, se sentem livres para participar da cena familiar apenas nas situações que lhes agradam. Como se ser pai fosse um hobby e não um trabalho a tempo integral.

As mágoas que não se esvaem

Tal ponto de vista  desse perfil de pai leva a uma série de comportamentos que tornam ainda mais problemáticas as interações familiares.

Uma pessoa que não se vê como figura marcante na mente e no emocional de seus filhos, provavelmente agirá de formas que deixarão marcas dolorosas. Mais que isso, duvidará do impacto dessas atitudes, não se responsabilizando pelo efeito causado.

As crianças por vezes não conseguem processar os eventos traumáticos. Essas memórias ficam retidas, carentes de significação, podendo mais tarde aflorar de formas inesperadas, ativadas com gatilhos diversos. Em alguns casos podem se manifestar através de sintomas mais graves como a síndrome do pânico, ansiedade severa e até mesmo depressão.

Pais carentes de afeto

Em algum momento da vida, talvez com os filhos adultos, esse pai pode se sentir sozinho e sem o afeto deles. Porém, não é possível sair de uma situação em que as consequências são dolorosas sem antes refletir sobre quais ações dolorosas foram infringidas a quem está do outro lado.

É preciso saber que presentes e coisas pagas não vão comprar o afeto de ninguém.

O afeto é construído não por imposições, amedrontamento e chantagens. O afeto é construído devagarinho, por aqueles que sabem que uma parede nunca ficará pronta se a cada dois tijolos colocados, quatro forem quebrados.

A presença é importante. Mas uma presença que gere conforto e sensação de confiança, o que só poderá existir se houver espaço para que o outro fale e seja ouvido. Se comunicar apenas aos gritos não te fará ser ouvido. Agressividade com o outro ou com objetos que tiver em mãos não te fará ser mais respeitado. É preciso ter em mente que o respeito vem do reconhecimento enquanto pessoa justa e ponderada quanto a atitudes que irão interferir na vida alheia.

Vínculos familiares não garantem vínculos afetivos

O sangue do mesmo sangue não garante uma proximidade afetiva.

É possível e frequente que ocorra o rompimento dessas relações familiares pela impossibilidade de se encontrar um lugar de paz para as pessoas envolvidas. Assim como em qualquer relação, existem limites que uma vez desrespeitados geram efeitos irreversíveis.

Sabendo disso, é necessário conquistar a cada dia o carinho, confiança e afeto e não apenas esperar que existam natural e ilimitadamente.

Ninguém nasce para ser pai

Nem para ser mãe. As pessoas se transformam através de seu trabalho interno. Não há um instinto que tudo ensina, não há receita de bolo. Hoje já é possível encontrar famílias com organizações que desafiam os costumes patriarcais, nas quais os homens não se enxergam como meros ajudantes de suas companheiras, mas sim como co-protagonistas tanto nas tarefas de casa quanto no trato com os filhos.

 

A esperança reside no potencial de mudança em tudo que é vivo.

Ontem experiência adquirida.
Amanhã lutas novas.
Hoje, porém, é a nossa hora de fazer e de construir

Chico Xavier

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