É uma menina!

Mulher de saia caminhando ao lado de dois homens de terno

A sala escurecida, na tela, a imagem do ultrassom.
Não há dúvidas, afirma sorridente o médico, é uma menina.

Fato é que essa menina logo aprenderá que “ser menina” tem um erro verbal. Ser menina é estar, entre várias coisas, sob controle. Ser menina é estar de acordo com a imagem que terceiros (e não a própria) construíram para seu gênero. Imagem essa que, assim como certas instituições, amputa do ser humano seus potenciais, seus talentos e afinidades, coisas que estão muito além do gênero com o qual se identifica uma pessoa.
É triste como esse tipo de constatação passou a soar como um clichê. Como é preciso tanto esforço para levar à reflexão quanto ao fato que, para ser vista como uma mulher feminina, a mulher precisa na maioria das vezes ir contra processos naturais do seu próprio corpo bem como negar questões emocionais, também, naturais. Ser feminina passou a ser artificial, algo pré-determinado e sem muita margem de construção/variação de mulher para mulher.

“Ser feminina é se cuidar.”

A falácia do discurso que afirma que a feminilidade repousa no cuidado com seu próprio corpo cai facilmente com diversos estudos que escancaram os malefícios da depilação constante, da maquiagem, das dietas radicais, dos procedimentos invasivos desnecessários…
Um exemplo óbvio é o imperativo do uso de anticoncepcional. Muitas mulheres enfrentam sérias dificuldades em se fazer respeitadas dentro de um consultório ao dizer não a esse método contraceptivo. Geralmente as opções não são apresentadas, não se faz uma grande investigação a respeito da saúde da paciente . Frequentemente o anticoncepcional é indicado por motivos meramente estéticos. Entre os motivos mais comuns está a melhora do aspecto da pele e dos cabelos. Métodos que envolvam o autoconhecimento, como o método sintotermal, são rechaçados como se o funcionamento do corpo feminino sofresse de um constante descompasso. Como se um controle externo fosse necessário para o próprio bem da mulher.

Ser feminina é parecer estar disponível aos homens

Os homens desde cedo têm seu olhar treinado para ver beleza e sensualidade em um estreito espectro de corpos e jeitos. A mulher para ser considerada feminina deve, então, se enquadrar ao menos minimamente nessas características. Se esforçar para ser sexy. E para ser sexy é preciso, necessariamente, ser considerada feminina. Mas sexy para quem já que a sexualidade da mulher, para grande parte dos homens, existe em função de satisfazê-los apenas?

A feminilidade enquanto atributo intrínseco à condição de mulher

Se uma mulher rompe totalmente ou mesmo em parte as exigências estéticas e emocionais que recaem sobre ela desde a infância, logo será advertida por alguém sobre sua feminilidade indo ralo abaixo. Se cortou o cabelo, se deixou o batom na gaveta ou se não se sente mais presa ao “dever” de se depilar inteira. Algo parece estar errado. Quando começa a problematizar o porquê de certos apetrechos cotidianos como o salto alto, quando passa a se sentir silenciada pelas expectativas dos outros de que seja sempre solicita e receptiva, o óbvio é então constatado : – Mais uma revoltada.
É preciso esclarecer que nem toda revolta é necessariamente um confronto. Se revoltar é por em cheque algumas falsas verdades e para isso perguntas serão feitas, mudanças serão realizadas. E como não questionar e buscar mudanças quando se percebe que a feminilidade, atributo de cada mulher à sua maneira, passou a estar condicionada a comportamentos e práticas que não passam de um ritual transmitido por uma cultura de massa que não respeita as particularidades de cada ser? Nem mesmo dos homens, que muitas vezes julgam estar fora e isentos destas questões.

A construção do real feminino

Em meio a tantas expectativas, deveres e obrigações sobre as mulheres, algumas começam a traçar um novo caminho. Buscam cada vez mais reaprender a identificar e admirar sua individualidade. Sem receita pronta, sem pecado original e sem outro para presentear com a melhor versão de si mesmas, fazem a descoberta para elas, o que consequentemente levará a um maior bem estar, mais facilidade em entender os ciclos da vida e também a relacionamentos mais sinceros e realistas.

Ser feminina não exige nada mais que viver o feminino. Dentro de si, à sua maneira.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *