Do que somos feitos: de mil homens, mil mulheres, e de nós mesmos

Costumo dizer que na clínica psicanalítica somos privilegiados por termos contato, quase que exclusivamente, com um tipo de pessoa muito especial: o tipo que pensa na vida.

Por mais que a gente esteja, como psicanalista, num lugar bem definido, que é o que constitui a nossa ética, a troca é constante. A gente aprende muito sobre gente, sobre sentimento, sobre relações, sobre existência, mesmo sem sair do lugar de analista.

Somos todos constituídos por muitas influências, muitas trocas, muitos efeitos de outros em nós, leituras que fizemos sobre aquilo que nos fizeram, nos disseram, como nos olharam… Como lemos tudo isso e o que fizemos com tudo isso? Essa é a receita da qual a gente é feito.

Isso posto, é preciso dizer que somos leitores de tudo o que está a nossa volta.

Quando a gente fala em leitura do entorno, entendemos leitura de uma forma ampla. Como um processo complexo de interpretação de inúmeros elementos que chegam a nossa percepção e que precisam ser entendidos de alguma forma.

Rubem Alves, psicanalista, escritor, além de outras coisas, tem uma metáfora muito interessante para essa idéia:

“Os olhos são pintores: eles pintam o mundo de fora com as cores que moram dentro deles. Olho luminoso vê mundo colorido, olho trevoso vê mundo escuro.”

E que espécie de leitores somos? Que espécie de leitor da vida você tem sido até agora?

Posso deixar uma sugestão de leitura que ajuda a pensar isso? Dica de uma analisante, boa leitora de vida e de livros.

“O filho de mil homens”, de Valter Hugo Mãe.

Ele é um escritor português que tem sido bastante lido nos últimos anos pelo mundo todo. Assim como Rubem Alves, citado acima, Valter Hugo Lemos (seu nome de nascença) além de escritor, cantor, artista plástico, também é outras coisas. É importante a gente se perceber muitas coisas. Um programador cuidador de horta de especiarias no seu quintal, uma professora que é ciclista de fim de semana, um marceneiro que canta na igreja, uma fisioterapeuta que estuda sobre grãos de café, um chapeiro que ensina a criançada do bairro a andar de skate, uma recepcionista apaixonada por literatura. Somos vários e devemos dar voz a essa nossa polifonia interna.

Além de tudo o que a gente vai recolhendo do mundo, somos o que fazemos disso tudo. Somos filhos dos outros e de nós.

Beijo da Mel (Insta: @apsicanalista)

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(Imagem: “Philistines” – Jean Michel Basquiat)

 

 

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