Desapego, o ato para corajosos

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Desapego, o ato para corajosos

Há dias me surpreendo pensando no significado da palavra desapego. Acredito que usualmente o verbo desapegar seja usado para a ação de abrir mão, de deixar para lá. Quando se fala de bens materiais, por exemplo, é comum que se fale em desapego de roupas, sapatos e outros bens de uso pessoal, seja para a palavra servir de chamariz para venda de coisas usadas ou para incentivar caridade.

Ocorreu-me, recentemente, que desapegar envolve muito mais do que isso e é, assim, muito mais difícil, em várias situações, do que tirar algumas roupas apertadas ou gastas do guarda-roupas.

Diga-se de passagem que o desapego verdadeiro, segundo me parece, apenas é passível de ser alcançado depois de muita reflexão, de exercício pessoal, de evolução espiritual. Desapegar é deixar de ter apego, de não ter mais apreço por aquilo que até então se tinha.

Não há desapego quando nos “livramos” de coisas, sentimentos e pessoas que não nos eram caros, que não faziam diferença se estivessem presentes ou ausentes. Muita gente se vale desse  pretexto para desocupar espaços, para se livrar do que já nem servia.

Desapego, por outros lado, ocorre quando, por alguma razão, entregamos a outrem algo que nos era caro, quando deixamos que alguém de quem gostávamos se vá, sem rancores, bem como quando, se por ventura ou desventura, perdemos alguma coisa, seja um emprego, uma função, um bem da vida e até mesmo a juventude, deixamos que as coisas sigam seus caminhos, que a vida se encarregue de ocupar novamente os espaços que foram ficando vazios contra nossa vontade. E fazer tudo isso de alma limpa, renovada, com esperança e sem rancores é que requer verdadeiramente desapego.

Acredito que quando ficamos apegados a algo que perdemos, significando isso muito mais do que ter saudades e boas lembranças, vamos ficando um passo atrás de nós mesmos, como se ficássemos aprisionados dentro daquilo, incapazes de prosseguir. A ausência do desapego é um caminho certo para amargura, para tristeza, para solidão, entre outras coisas.

Há casos muito severos de falta de desapego ou apego em excesso que, para além de trazer consequências ruins para quem os vive, ainda se expande para vida de outras pessoas de forma desastrosa. Cabe aqui o exemplo daquelas pessoas que são acumuladoras. Passam a comprar ou a pegar tudo que veem pela frente e a deixar dentro de suas casas, estabelecendo com essas coisas uma relação tão extrema de apego que são psicologicamente incapazes de se livrarem até mesmo do lixo que se amontoa de forma insalubre e perigosa por sobre os cômodos.

É ainda exemplo negativo de excesso de apego o sentimento de posse que algumas pessoas exercem sobre as outras, incapazes de admitir o término de um relacionamento ou mesmo a independência de alguém próximo, sejam cônjuges, companheiros, filhos ou amigos. Situações como essas não raramente resultam em muito sofrimento, violência e até mesmo em morte. A história do mundo, bem como a  vida das pessoas comuns estão aí para comprovar o que sustento aqui.

Eu mesma já estive diante de algumas situações nas quais percebi que não conseguia me desapegar de parcelas da minha vida, de lugares nos quais estive e de pessoas as quais eu devotei os melhores sentimentos de amizade. Tudo isso acabou me fazendo muito mal, porque ao invés de olhar para o que adiante se desenrolava, eu me mantinha olhando para trás, lamentando que se fora, sem sequer me dar ao direito de avaliar se havia sido o melhor ou o pior.

Durante certo momento, somente me interessava o fato de que eu não era mais tal coisa, eu não fazia mais parte de tal lugar e que não mais iria conviver com as mesmas pessoas. O mais curioso é que me dei conta disso, do mal que me infligia, quando já tinha me desgastado bastante.

Ainda hoje, mesmo ciente dessas nuances sobre o que o verdadeiro desapego funciona, persisto cometendo, vez ou outra, embora com menos frequência, o erro de me apegar àquilo que não me pertence, ao que preciso deixar partir. A diferença é que busco analisar o que me cerca e tento exercitar o desapego sobre o que não me compete reter ou não é digno disso. Confesso que não é fácil, mas é um exercício que vale ser tentado.

Quando nos desapegamos verdadeiramente, podemos continuar amando o que ou quem se foi, mas ao deixarmos que se vá, não permitirmos que leve com ela parte do que somos, aleijando nossos sentimentos, deficientes de autonomia para prosseguirmos felizes.

O desapego é ato para corajosos, que não diminui quem dele é capaz, mas devolve a inteireza, a coragem e dá paz à alma. Além de tudo, é imprescindível para que nos tornemos alguém melhor do que nós mesmos já fomos e  isso também é um tipo de desapego!

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