Da corrente de ouro à nossa existência | Indiferença, simpatia e empatia


Há alguns anos, estava eu em um ponto de ônibus próximo ao meu apartamento. Rua movimentada, cheia de lojas, trânsito carregado e muitas pessoas no ponto. O ônibus demorava a chegar, então peguei o celular da bolsa e comecei a jogar algo. Distraída, não vi um homem se aproximar de mim. Só percebi sua presença quando sua mão já estava em meu pescoço para arrancar uma corrente de ouro que eu usava e sair correndo. Enquanto eu olhava o homem sair correndo, ainda sem entender o que havia acontecido, percebi que algumas pessoas ao meu redor me olhavam e faziam comentários umas para as outras. Devo ter ouvido um [Maria]“Esse cara é um bandido. Tem que apodrecer na cadeia! ”. E [José] “Que horrível! O Brasil tá perdido”. E [Rosa] “Ai, isso aconteceu com uma sobrinha minha. Mas foi bem pior! Ela estava na rua e (…) ”. E [Pedro] “Coitada!”. Houve também aquela [Joana] que deu uma olhada e logo voltou às suas atividades.


Ninguém veio falar comigo. O ônibus logo chegou, entrei e fui para meu compromisso. Mais estupefata com a atitude das pessoas ao meu redor do que com a do rapaz que havia me roubado.

Podemos identificar: indiferença, simpatia, talvez um pouco de compaixão, surpresa. Para pensar agora: quais sentimentos você teve ao ler essa história? E com quais você se identificou nela?

Vamos um a um. Maria emitiu uma opinião a respeito do que deveria ser feito com o homem que me roubou. José lamentou diversos problemas. Rosa recordou de um outro ocorrido. Pedro reparou que a situação não foi agradável para mim. Joana não demonstrou afetos. Apesar de tantas pessoas, nenhuma delas se aproximou e perguntou de quê eu precisava. Foram dadas soluções apenas para suas próprias aflições.

Cachorro com muito dono morre de fome

Poxa, se há tanta gente que olha, por que não nos sentimos realmente enxergados?

Somos seres indiferentes, muitas vezes. A indiferença mostra nada mais do que a desconexão com nossos sentimentos, situação cada vez mais comum atualmente. Tudo deve ser rápido e indolor. Na tentativa de sermos mais produtivos, somos menos!

Somos também seres simpáticos. Em inglês, somos sympathetic. Como adoro morfologias inventadas, podemos dividir essa palavra em duas: sim, patéticos! Um pequeno sorriso ou comentário bastam para a interação não se aprofundar. Não por mal, muitas vezes não somos conscientes disso, mas talvez para nos preservarmos. Quanto menos nos envolvermos, menos sofremos. Válido para o amor, válido para a morte. Porém, quanto menos nos envolvemos, também menos nos relacionamos. Menos trocas, menos aprendizados, menos somos!

Indiferença e simpatia são dois funcionamentos que, apesar de estarmos focados apenas em nós mesmos, nos desconectamos com a nossa própria existência.

E empáticos, quantas vezes nos dispomos a ser?

Por mais esquisito que pareça, quando enxergamos o outro com suas próprias necessidades e sentimentos, é assim que mais nos conectamos com as nossas próprias necessidades e sentimentos. Nos construímos a partir das relações. Ao levarmos em conta o outro, somos mais!

A empatia não evita a violência (diretamente falando, claro. Mas isso é assunto para uma outra coluna), mas ajuda a curar feridas. Somos seres empáticos. Que utilizemos deste traço para fazer valer o adjetivo “humano” – aquele que existe ao enxergar o outro.

🙂

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