A morte nos iguala?

Foto de um caixão ao chão em frente a uma casa no Equador

A pandemia de coronavírus está mudando o mundo. As grandes potências econômicas tem parado quase totalmente diante das ameaças de contágio. Finalmente no Brasil (assim quero acreditar) começa-se a se perceber a importância da ciência, da pesquisa para a vida de todos.

Nunca antes demos tanta importância para os passeios, para sairmos para trabalhar, para aproveitarmos a cultura (ir ao cinema, a shows, exposições), irmos estudar e vermos os amigos. Nunca antes demos tanta importância para os abraços e sinto que agora isso está mudando, pois sentimos o quanto é desagradável não cumprimentar direito uma pessoa próxima.

A quarentena nos tem feito perceber diversas coisas, que antes estavam obscurecidas sob um manto de ignorância ou de cegueira deliberada. Nos tem mostrado o quanto estávamos distantes emocionalmente de nossos familiares. E vem nos mostrar a importância de amar e demonstrar esse amor a estas pessoas a cada dia (pois a máxima de “nunca se saber quando será o último” tem se feito cada vez mais clara e possível).

Também tem mostrado de maneira mais nítida a política e os interesses econômicos por detrás dela, priorizando a economia em detrimento de vidas (principalmente as vidas dos trabalhadores). Nos EUA, a primeira atitude do presidente foi taxar a doença como gripe e até esta data ignorar a quarentena (link); o presidente do Brasil segue a mesma postura, sob fortes críticas dos governantes e dos demais poderes. O primeiro ministro do Japão pede quarentena aos que entrarem no país, mas ainda não declarou estado de emergência em todo o território (link).

Alguns políticos tem apoiado a quarentena e seguido as recomendações da OMS. Não se ignora a intenção eleitoreira também por trás disso. Mas ao menos o que fica disso é a preservação de vidas. A verdade é que, nesse novo “baile de máscaras”, muitas dessas tem caído.

No Brasil, o discurso que, em fevereiro era de “o SUS está preparado para esta epidemia” (na época não era uma pandemia), em março passou a ser “o sistema de saúde estará falido em abril”. Assim, tem-se admitido o alastramento incontrolado da doença, que no mundo não tem escolhido classes sociais ou países emergentes ou não. Até a Rainha Elizabeth e o príncipe Charles testaram positivo para Covid-19.

Aliás, muito se afirma que, independente do desenvolvimento econômico e social, o coronavírus tem feito inúmeras vítimas na maior diversidade de países, mostrando o quanto diante da morte somos todos iguais.

Primeiramente, a informação (baseada na realidade chinesa, que não é a mesma para todo o globo) era de que a doença era mais grave para idosos. A taxa de mortalidade para o resto da população girava em torno de 0,3%. Isso deixou os jovens mais despreocupados, incautos e tem levado cada vez mais a uma mudança nesses índices. Gradativamente tem-se visto pessoas de pouco mais de 30 anos sendo acometidas pelo vírus e, não raro, morrendo em decorrência do agravamento da doença. Ou seja, ninguém está isento.

E não só integrantes do grupos de risco apresentam os sintomas mais graves: médicos e enfermeiros tem morrido, atletas tem sido contaminados, apesar da saudável estrutura física e correção alimentar. Enquanto isso, apesar de mais raros, idosos também tem apresentado a melhora do quadro, quando não a cura (link e link). Assim, o risco do contágio, infelizmente, é uma possibilidade para todos.

Apesar dos altíssimos números de mortos em países de primeiro mundo e de o vírus ter se espalhado pelo globo provavelmente através das classes média e alta, que viajaram para os países epicentros da doença, logo se espera uma grande tragédia entre a população mais pobre, muitas vezes sem acesso à saneamento básico (dificultando ações preventivas) e à saúde pública. No Brasil, a previsão é de uma hecatombe nas favelas e nos presídios, justamente afetando (diretamente pela doença ou indiretamente pela fome) os socialmente marginalizados e excluídos. Somos realmente tão iguais?

Parece-me que uns, no entanto, são mais iguais que outros. A solidariedade parece aumentar nessa triste época, o que é uma das coisas mais lindas que podemos ver atualmente nas redes. Contudo, as diferenças sociais crescem juntamente, mostrando que no mundo o poder e a exploração econômica batem o martelo das decisões imorais.

Os EUA, onde não há saúde pública como no Brasil (ou seja, os tratamentos são para quem pode pagar), foram acusados de desviar e reter materiais como máscaras e respiradores encomendados da China pelo Nordeste brasileiro, Alemanha e França. Além disso, proibiu que a empresa 3M, que fabrica máscaras de proteção, exporte seus produtos para ajudar outros países. Enquanto isso, a Alemanha recebe pacientes italianos para tratamento.

As possíveis vacinas já estão em pesquisa, mas seu desenvolvimento, apesar de estar sendo rápido, demanda ainda testes em humanos. E alguns estudiosos querem utilizar o continente africano como laboratório, tendo a população negra como cobaia. Estranhamente pouco se destacam os números da doença em África.

Nas Filipinas, o presidente, com forte histórico de autoritarismo na guerra às drogas, se aproveitou do momento para intensificar seu poder determinando que quem desrespeite a quarentena seja baleado. Ou seja, a morte vem pela doença ou pela bala.

No Equador, com o serviço funerário em colapso, mortos aguardam o enterro por no mínimo três dias. Familiares tem colocado os corpos (fontes potenciais de contaminação) nas ruas, às vezes ateando fogo a eles. Com a falta de caixões, os mortos serão enterrados em caixas de papelão e não há registros de outros países buscando ajudar este com o envio de qualquer tipo de subsídio.

Quanto às pessoas que morrem, morrem sozinhas após um período de isolamento nas UTIs (com registros de descaso por alguns profissionais da saúde), são enterradas com o caixão lacrado, sem velório e sem a família poder prestar-lhe as últimas homenagens de maneira próxima.

Então, o que fica desta doença, que une e separa famílias? Talvez nada além de “mais do mesmo”.

 

Foto: Divulgação R7

Coronavírus: Em meio a pandemia, Equador vive colapso funerário

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