Sobre amar o próprio corpo: isso não é uma lição de moral

Sobre amar o próprio corpo- isso não é uma lição de moral (1)

Um dia achei que usar cropped “sem culpa” seria minha definição máxima de felicidade. Aí uma outra blusa – pelo contrário, bem comprida – falou comigo.

Eu não sei amar meu próprio corpo. Desculpa se te decepcionei. Achei melhor começar de um jeito sincero. Adoraria dar dicas e fórmulas de como atingi esse profundo estado alfa de autocontemplação corporal, mas não dá. Seria fake. O que posso dizer é que estou no caminho. E ele é trabalhoso, repetitivo, desgastante, nele você pode caminhar 20 casas e voltar 40. Posso dar um outro spoiler: só você pode caminhar nele. Cada uma tem sua própria rota, suas próprias paisagens, seus próprios pneus furados, seu próprio destino.

Tarefa 1: desconstruindo o mito do cropped

Tal como Hércules, meu caminho tem tarefas, ou trabalhos. Posso dizer que a primeira foi quando tive que desacreditar que seria feliz somente quando vestisse um cropped e embaixo dele uma barriga sarada. Deslizei em dois pontos. O primeiro é que todo mundo pode usar cropped (e ser incrível). Mas ok, eu poderia ter isso como desafio, cada um tem seus próprios parâmetros. Mas meu segundo deslize foi acreditar que meu corpo ideal era um corpo que… bem, você deve imaginar. Um corpo que não era e nem seria – contando com esforço humano – meu.

Tarefa 2: meu corpo é meu

Sempre tive peitos, nunca tive cintura, bunda só mesmo na fase gordinha, coxas idem. Já tive experiência de emagrecer muito e, acredite, meu biotipo estava ali, só que com menos gordura. Parece muito simples assumir isso, mas a autoconsciência corporal é bem penosa. Entender seu corpo para amá-lo é punk. Esses dias elogiei uma amiga dizendo que ela estava mais linda ultimamente e ela me devolveu: “quanto mais amo meu corpo, mais ele me ama de volta”. Lindo né? Só não é tão curto e fácil quanto uma frase de 11 letras. No meu caso essa conta ainda não fecha, embora acredite muito que essa matemática dê resultado. Estou no caminho.

Tarefa 3: amar o próprio corpo – isso não é um copo de água

No dia que soube da existência da Tássia Reis (seu ouvido merece ouvir a voz dessa mulher, sério), ela me disse: “o empoderamento não é um copo de água que você bebe e pronto”. Uhul, bebi a água galera, tô empoderada. Não. Acredite, adoraria que isso viesse em cápsulas. Só que a real é que “se amar” é quase que encontrar uma pedra preciosa no chão do Centro de São Paulo.

Pense em todos os fatores contrários. Somos metralhadas por imagens de corpos irreais, protótipos inalcançáveis e, convenhamos, bem padronizados. Quem não se encaixa aí, esqueça. Ainda tem as rixinhas femininas cotidianas – alimentadas para desestabilizar as mulheres, portanto, das quais somos vítimas. E como se não bastasse, nesse combo ainda fritas acompanham, porque somam-se nossa mania de comparação, nossa insuficiência, cobrança e autocrítica excessivas. O empoderamento é um processo. Pode durar a vida inteira.

Tarefa 4: entre as milhares de vozes, sobressai-se a sua

Todo mundo fala, todo mundo posta, todo mundo compartilha, todo mundo é fotógrafo/redator/crítico social. Pode parecer que não, mas essa enxurrada de informação pode te levar numa maré sem rumo… Bem, nessa onda de vozes, lembre-se que a sua é a mais importante. Repita isso no espelho do banheiro, 10 vezes por dia. Tarefa hercúlea essa de não te deixar definirem quem você é, justo hoje, que tem tanta gente doida pra pegar nessa caneta. Não.

É você quem diz quem é, o que quer de você, quais são suas fortalezas e, por que não, suas fraquezas. Reconhecer seus pontos fracos também é uma forma de entendimento, de amor próprio. Se amar é também se aceitar e não apenas se jogar um monte de qualidade na cara. Uhul, tô empoderada.

Tarefa 5: quem são minhas inspirações? Elas também falam sobre mim

A barriga perfeita existe sim, ela está no meu Instagram. Naquela aba explorar, sabe? Onde todas são lindas, viajadas, bem sucedidas. Acho pouco provável, entretanto, que eu tenha muito em comum com as donas desses perfis. Falo de rotina, de filosofia de vida, de hábitos. Admiro muito quem se transforma, quem se dedica exaustivamente a um treino, quem se priva de várias coisas, mas… Eu não sou assim.

Trabalho muitas horas por dia, quase sempre sentada, o que acaba com minha postura e aumenta minha barriga. Tento encaixar o exercício físico na minha vida, não o contrário. Não abro mão de tomar cerveja e comer coxinha (é provável que eu não admita isso para meu ginecologista). Entender o que busco – e devo conseguir com meu esforço – é bem diferente de ter uma meta inalcançável.

Tarefa 6: tem que ter apoio – as animadoras de torcida

Passei a encontrar pérolas em mulheres potencialmente anônimas ou naquelas amigas, ali, bem do lado. Enxerguei aquele brilho nos olhos que vem com o amor próprio, com a superação, com a felicidade encontrada nas horinhas de descuido (salve Guimarães!). Isso me ajudou muito a perceber mulheres não como moldes, mas companheiras reais, minhas animadoras de torcida, no duro. Na real, pergunte-se, quem tá junto contigo, torcendo na sua caminhada? Mesmo sem saber, muitas me inspiram – inclusive possivelmente você, que está lendo este texto, e outras me sussurram baixinho: vamos, mana, estamos juntas nessa.

Tarefa 7: encontrar a mensagem na blusa oráculo

Num dia de reviravolta no clima, entrei na Renner para comprar algo que me ajudasse a superar esse vento paulistano. Num dos cabides lá estava ela, sorrindo para mim. Eu, que encasquetei com o cropped, encontrei numa blusa de mangas compridas e comprimento bem abaixo do meu umbigo uma oração. Eu, que vivo descontente com a minha falta de empoderamento, eu que me cobro por ser mais forte, mais bonita, eu que queria me amar mais…

Falta de empoderamento segundo qual critério? Mais forte e mais bonita que quem? Me amar mais de acordo com que régua?

Be your own muse, ela me disse. Seja sua própria musa, esta foi a mensagem da blusa. E eu chorei entendendo todas as mensagens que me esforcei tanto para não ouvir. Aceitei esse recado como o que eu preciso saber, não por ter cruzado qualquer linha de chegada, mas por continuar nessa jornada. Essa caminhada repetitiva e sábia. Nessa caminhada onde eu estarei a vida inteira. Mas agora, com um soprinho de esperança.

E sim, talvez vocês ainda me verão com um cropped, mas será outra a heroína a vesti-lo.

 

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