NATAL NÃO É PARA AMADOR…

É bastante comum escutar na clínica, nessa época, uma variedade muito ampla de sentimentos negativos em relação às festas de fim de ano.

Os mais complexos vão para o lado das feridas de infância, das perdas, dos traumas. Os (aparentemente) mais simples dizem respeito à insatisfação em família, desacordo com os presentes, antipatias por mensagens e decorações-clichês. (Aproveito para mencionar que ontem escutei um programa de rádio de uma emissora americana em que um pesquisador falou brilhantemente sobre as questões dos presentes natalinos, a auto-estima inconsciente em achar que merece ou não, a insatisfação constante e a falta de gratidão contemporânea para com o que vem do outro.)

Vamos logo ao ponto? A questão toda das festas de fim de ano tem a ver com você e não com os outros, e por isso não é fácil. Sobre o que você vem fazendo com sua vida, sobre como se sente em relação às pessoas que estão à sua volta e como acha que deveria sentir, como que sentimento você recebe o que vem do outro, como você recebe o que a vida te dá e como fica com o que a vida te tira.

A angústia que se sente no fim do ano nada tem a ver com as lojas cheias, com a família ou com o amigo secreto do trabalho. Tem a ver com encarar e aceitar quem a gente é e como vem fazendo e sentindo tudo. Quando falo em aceitar quem a gente é não tem nada a ver com conformismo, pois até para pensar em mudança a gente tem que analisar e compreender como a gente está no momento, aceitando o estado atual das coisas, para poder pensar e colocar em prática uma mudança.

Estou passando as festas de fim de ano na casa da família no hemisfério norte. Aqui o apelo é muito grande para todos os clichês de Natal: famílias lindas e sorridentes nos anúncios, promoções e presentes maravilhosos, decoração ostensiva em todo lugar, brindes com taças cheias nas fotos bem produzidas, a neve branquinha lá fora, o Papai Noel com uma roupa que faz todo o sentido, inclusive usando uma touca semelhante à que você usa para ir ao supermercado.

Mesmo assim, por aqui, as pessoas mais solitárias no dia a dia se apoiam e se aglutinam para estarem cercadas no Natal. Mesmo que seja por pessoas com quem não se tem muita intimidade. De alguma forma eles me parecem mais “profissionais” para enfrentar o Natal, parecem ter um script que seguem com pouco esforço, para o qual foram bem treinados. Como uma orquestra bem afinada, que pode abrir mão do maestro. (sim, estou escutando música enquanto escrevo)

Agora vou explicar pra você o porquê do titulo lá de cima, porque penso que Natal é coisa pra “profissional”. Enquanto a gente não sabe muito bem qual é a nossa, onde está o nosso buraco, o tamanho do vazio, quando nossos traumas e nossas experiências ainda gritam e protagonizam o palco dos sentimentos internos contaminando tudo o que a gente vive no presente, enquanto a gente está estacionado e amarrado exclusivamente ao que aconteceu conosco, nos limitando a sermos isso, a gente carrega um sacão de lixo de 200 litros inclusive para o Natal. E o Natal, parceiro, não deixa barato e chega com cobranças de amor pelo próximo e promessas de felicidade em família. Chega sem piedade, te dá um tapa de “tá tudo errado com você” bem no meio da cara, você concorda, todo vestidinho de frustração e culpa, e o sacão de lixo estoura no meio da sala.

Então é isso. Enquanto a gente não estiver de boas com o que vai lá dentro, com a compreensão das limitações e possibilidades da gente e do outro, não rola. Pode pedir ajuda para analista, para religião, para os astros, vale tudo. Só não vale ser regido eternamente por tudo o que aconteceu com você e você não digeriu. Porque aí você não tem a menor chance com o Natal.

Quando você estiver minimamente tranquilo em relação a tudo o que te aconteceu, tiver processado quem você se tornou, você vai começar a entrar no jeito pro Natal. Topar o que vem do outro com gratidão, sorrir para o que a vida te traz e pensar tranquilamente no que precisa ser “trabalhado” se você estiver a fim de mudar algo.

Portanto, que nesse fim de ano o seu DESEJO (matéria fundamental para a vida segundo a psicanálise) esteja mais aceso do que nunca. Pois é ele que faz você ter recursos pra realizar todos essas “faxinas” internas.

 

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