Jean-Michel Basquiat e os terrenos que nos são estranhos

jean michel basquiat

De uns tempos pra cá não estou me reconhecendo nessa necessidade louca de ter contato com artes plásticas. Sempre fui de palavras. Muitas palavras. Formada em Letras, Psicanalista, não tenho como esconder: as palavras sempre foram tidas por mim como a ferramenta perfeita para que tentássemos dar formato àquilo que estivéssemos sentindo, entendendo do mundo. Claro, consciente de que há algo sempre que fica de fora, que escapa à capacidade expressiva verbal, eu seguia satisfeita com a limitação de dar forma ao que era possível. Daí não sei o que anda me rondando…

Nos últimos 2 meses fui a pelo menos 20 exposições diferentes. A maior parte delas de artes plásticas. Primeiro olho para a obra e tento enxergar o que o artista sentiu ao produzir aquilo, qual a sua perspectiva de mundo, por que ele parou naquela medida em vez de ter continuado um pouco mais. Depois consigo entender uma parte daquilo que ressoa em mim. É esse caminho de apreciação que faço da obra de arte plástica. De forma absolutamente empírica, é assim que vou capengando e me rastejando diante de uma obra. Vale lembrar que me sinto completamente despreparada para compreender praticamente a totalidade delas. Não creio que uma cidadã comum, como eu, tenha estudado ou sido exposta adequadamente à arte durante seu período de formação. Como boa representante da classe média brasileira da geração X, preparada para ter um emprego, eu me sinto sem recursos, de calça arriada mediante uma obra de arte. E mais: acho bastante pretensioso de boa parte das pessoas supor que convencem os outros de que entendem algo sobre arte.

Ontem fui a uma exposição no CCBB daqui de São Paulo de um artista que considero sensacional: Jean-Michel Basquiat. Só conheci Basquiat em 1996 (8 anos após sua morte, vergonha!) e desde então confesso que desenvolvi uma certa fixação pela forma como se expressa e pela mistura de referências. (Mesmo quando o artista já morreu, só sei falar no presente sobre esses que estabelecem um paradigma extraordinário dentro do seu campo.) São mais de 80 trabalhos que ficarão em exposição aqui até início de abril e depois seguem para Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

Basquiat já era acima da média desde sempre: lia e escrevia aos 4 anos e aos 6, em função de seu talento para o desenho, já era membro júnior do Brooklyn Museum em Nova Iorque, que tive o prazer de conhecer no mês passado. Depois Basquiat foi expulso da escola e de casa aos 16 anos, passou a morar nas ruas e depois de favor em casas de amigos. E ele começou a grafitar as paredes de onde estava e por onde passava. No início grafitava com um amigo e assinavam SAMO (Same Old Shit ou, em bom português, “a mesma merda”). Depois passou a percorrer o caminho sozinho e rapidamente alcançou reconhecimento, contou com um padrinho de prestígio, Andy Warhol (essa parceria é retratada no filme “Basquiat – Traços de uma vida” de 1996 dirigido por Julian Schnabel e que conta com David Bowie no papel de Warhol), fez fortuna rápido e cheirou muito rápido também: morreu em 1988 de overdose de uma mistura de drogas aos 27 anos, como muitos gênios contemporâneos.

Passado o momento cultural e informativo, eu trouxe o Basquiat aqui porque apesar de ter produzido sua arte na década de 80, sua obra continua incrivelmente atual e impactante para o indivíduo hoje. As misturas de referências, as palavras presentes em línguas diferentes contracenando com as formas coloridas e altamente expressivas com estética grafitada fazem com que as obras tenham uma capacidade tanto de impactar o expectador quanto de passar muitas mensagens inclusive políticas e sociais. Dentre outras coisas ele colocava o negro como protagonista em suas obras, questionando o posicionamento desfavorecido do mesmo na sociedade.

Talvez a obra de Basquiat me interesse tanto pelo fato de ele não ter descartado as palavras na sua estética plástica.

Talvez eu não consiga me desvencilhar suficientemente das palavras, mesmo buscando outras formas de expressão de sentimentos e crenças.

De qualquer forma, amanhã começo um curso de pintura artística. E, confesso, estou com medo.

 

 

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