As mudanças de rota – Ser útil ou ser eu mesma?

Homem solta cipó e cai sobre o lago livremente

Há uns anos atrás, as coisas eram muito diferentes. Eu sonhava com minha formatura e me agarrava à ideia da aprovação em algum concurso graúdo como sendo a porta definitiva para a tranquilidade. Na minha cabeça, um cargo público me daria estabilidade.

 

Eu me via como uma pessoa que se sentiria confortável em um escritório, em meio à papelada. Então, sim. Sem dúvidas não teria erro nas escolhas que fiz.
Nessa época eu havia sido aprovada no concurso para estágio no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e aguardava convocação. Aguardava ansiosamente, pois o que eu mais queria era poder vivenciar uma amostra daquilo que tanto planejava para o meu futuro.

E como eu queria ter responsabilidades grandes! Queria ter em mãos o poder de alterar a vida dos outros significativamente.

A sensação de não caber

Logo fui convocada para iniciar o estágio em um Juizado Especial Cível, onde fiquei por alguns meses trabalhando em uma secretaria e mais uns meses atuando como conciliadora.

Embora tenha sido recebida e acolhida por pessoas atenciosas e pacientes, eu me sentia totalmente inadequada e fora do meu lugar. Me lembro de olhar pela janela, ver as pessoas na rua e desejar com todas as minhas forças poder estar na rua naquele momento, nem que fosse andando sem rumo. Não suportava mais os processos, as minhas funções, o ambiente em si. Eu conversava com meus colegas de curso e percebia que, mesmo tendo suas reclamações com seus respectivos estágios, não estavam em sofrimento como eu.
Comecei então a questionar, qual seria o problema? Afinal eu estava em um lugar que muito ambicionei chegar.

Quem sou eu afinal?

Fui percebendo então que em certo ponto nós criamos ilusões sobre quem nós somos. Muitas vezes, deixamos que os outros definam isso para nós.

Percebi que eu tinha medo de descobrir o que teria por baixo de toda essa base frágil por onde eu me movimentava, medo das mudanças que eu poderia ter que fazer para ser coerente com minha real natureza. Eu me desesperava pensando no quanto decepcionaria os outros que sempre me viram e admiraram por ser, supostamente, uma moça sob controle, centrada e linear.

O que poucos sabem é que as vezes nosso silêncio não é calma, é medo de falar. Que o jeito quieto pode ser apenas fruto de mutilações emocionais que nos deixaram com um extremo medo do ridículo, da rejeição.

Mais que isso, muita gente não sabe e às vezes nem nós mesmos sabemos que tendemos a escolher caminhos que perpetuam os padrões a que estamos condicionados.

Eu escolhi um curso que tinha uma pegada de controle. Leis, formalidade, punição! Sendo que sempre sofri com a sensação de controle, de rigidez e agressividade no meio em que cresci inserida. Felizmente eu pude perceber tudo isso e sentir a urgência de descobrir qual seria um caminho melhor para mim.

Deixar o rio seguir seu caminho

Fazendo terapia e aos poucos dando alguns passos, fui me desprendendo.

De certa forma fui a inconsequente que sempre temi ser. Deixei um curso superior na reta final, troquei um estágio desejado por muitos pela incerteza total quanto ao que eu faria da vida.

Foi angustiante, foi estranho. Mas foi e está sendo um processo necessário. Pois percebi que apesar dos outros, o certo e o errado são pessoais. Aprendi que temos sempre escolha e que mudanças eventualmente serão essenciais.

Sem esse processo eu jamais conseguiria entrar em contato com minhas vontades reais. Posso vislumbrar um mar de possibilidades e enxergar coisas com as quais eu me vejo dedicando de coração sem precisar podar mais ainda quem eu sou.

Muito pelo contrário. Vejo chances de resgatar mais e mais o que perdi de minha essência pelo caminho.

Hoje eu sei que querer ser útil pode ser uma armadilha perigosa. Querer ser boa em algo também é arriscado.

Hoje acredito que o que eu amo fazer talvez esbarre no que você precise. Uma utilidade mais fluida, ocasional.

Assim como a vida é… Fluida, incerta e breve.

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